A morte de Sara foi um momento de grande dor para Isaque e Abraão. Mãe e esposa amada, que abandonou tudo para seguir a profissão de fé do marido, que se passou por sua irmã para protege-lo dos egípcios, que abriu mão da fidelidade exclusiva de seu companheiro para que ambos realizassem o sonho de ter um filho, que espalhou seu sorriso ao dar à luz, pondo a marca de sua alegria no próprio nome da criança tão esperada, que protegeu sua casa, expulsando a influência negativa de sua escrava, que envelheceu e aprendeu seu lugar precioso de esposa, mãe e mulher (Gênesis 23.1).
Seu filho único e gerado miraculosamente na velhice, além de todo o peso de ser o descendente da nação prometida por Deus, deve ter demandado um cuidado especial de uma mãe madura.
Eu tento imaginar como o menino foi amado por aquela mulher e como ela era especial para ele. A relação entre mãe e filho devia ser muito intensa, com uma dependência mútua inevitável.
Porém, aquela relação chegava ao fim, obedecendo o ciclo natural da vida. A sensação de perder quem sempre esteve ao seu lado devia ser sufocante, trazendo um vazio saudoso, impossível de ser preenchido.
O filho, mesmo sendo um homem adulto, ainda devia ser muito apegado à sua mãe que, já em idade avançada, devia dar toda a sua energia pelo seu bem-estar.
Quando a dor devia estar rasgando a alma do rapaz, o pai resolveu sabiamente ajuda-lo a seguir em frente, trazendo alguém de sua família para ser sua esposa. A bíblia diz que a chegada de Rebeca foi um conforto para Isaque durante o luto (Gênesis 24.67).
Mas, quem confortaria o viúvo? A dor devia ser cortante para o marido que perdia o seu grande amor. Depois de uma vida de compartilhamento de emoções e mudanças, ele via diante de si, um corpo sem folego de vida. Abraão chorou a falta da sua companheira.
Até que ele mesmo se levantou durante o luto e passou a resolver o enterro. Com um diálogo muito polido, Abraão procurou saber o valor do lugar em que seria colocado o corpo que lhe foi fonte de calor, o seio que amamentou o filho, a boca que sorriu e encantou sua vida. Nada seria demais para ser pago naquele momento. O preço foi dito e, sem nenhum tipo de negociação, Abraão o comprou. Afinal, quanto valeria um pedaço de terra, se algo de valor imensurável acabara de ser perdido? (Gênesis 23.4-16)
Os nossos valores são atenuados quando perdemos alguém. Em meio ao sofrimento da perda, vemos que nem toda riqueza acumulada nos consola. A saudade abre nossos olhos para o transcendente custo da despedida, o luto realça a nossa percepção para o grandioso fato de estarmos vivos, o sofrimento nos diminui diante da dor e nos expõe às verdadeiras riquezas.
Abraão chorou a sua dor e sua mente deve ter viajado ao momento em que conheceu Sara, quando colocou os olhos pela primeira vez na pessoa que lhe trouxe acolhimento durante uma vida inteira. Ele deve ter pensado em seus anos juntos, sobre o que foi dito e o que faltou dizer. É possível que, em meio ao sofrimento, houvesse gratidão pelos momentos ao lado de quem lhe amou até o fim. Sua imaginação deve ter gerado choro e riso ao mesmo tempo, que é uma das mais incríveis expressões que conseguimos combinar.
O estado em que aquele homem se encontrava não foi descrito na língua humana, mas, se eu pudesse resumir algo tão profundo, eu diria que foi intransponível. Devia ser uma mistura de tristeza, pela saudade, de raiva, por não poder fazer nada a respeito, de alegria, pelas lembranças doces e medo de como seria a vida sem ela.
Nessas circunstâncias, somos intimamente expostos pela mistura dos pensamentos, das emoções, da experiência espiritual e da materialização do fim. Essas sensações despem o nosso ser de todas as maneiras e nos deixam completamente vulneráveis diante daquilo que passamos a vida inteira querendo evitar: a dor.
Porque vivemos uma época em que os nossos sentimentos são vistos como algo negativo ou sinônimo de fraqueza? Que mal existe em nossas emoções? Os grandes artistas criaram suas obras com o poder exclusivo do pensamento e tiveram suas emoções amputadas? A ira de Deus gerou atos descontrolados? Jesus chorou porque era fraco? Acredito que não. Temos riquezas dentro da nossa alma que nos assemelham ao próprio Deus e que precisam ser descobertas por nós mesmos, pois elas nos fazem únicos e valiosos.