Gênesis | Raiva e vingança

A dor que sentimos quando alguém fere quem amamos parece maior do que quando somos diretamente atingidos. A raiva despertada, a ânsia por justiça e a sensação de impotência se misturam e podem levar à vingança.

Diná, filha única de Jacó, estava com sua família instalada em uma terra estranha. Ela saiu de casa sozinha para conhecer as mulheres locais e acabou encontrando o príncipe daquele lugar, que a violentou (Gênesis 34.1-2).

Seus irmãos estavam no campo cuidando do gado quando isso aconteceu e Jacó ficou sabendo, mas calou-se até que eles voltassem. Esse homem deve ter parado para pensar no que poderia fazer para aliviar a dor da sua família (Gênesis 34.5).

Quando os irmãos souberam, executaram um plano de vingança sem o conhecimento do seu pai, que com certeza não teria aprovado o que eles planejaram. Eles pediram que todos fossem circuncidados e aproveitaram a fragilidade do momento de dor, causada pelo ritual, para mata-los (Gênesis 34.25).

Quando Jacó ficou sabendo o que haviam feito, expôs para os filhos as consequências dos seus atos, mas eles estavam dominados pela raiva. Deviam continuar consumidos pela ira adicionada da culpa pelos assassinatos que cometeram (Gênesis 34.30).

Enfim, o dano estava feito. A vergonha já havia sido proclamada naquela família e, para agravar a situação, agora eles corriam risco de serem alvo dos habitantes daquele lugar por causa das mortes que causaram.

Um ato de violência que gerou outro e trouxe a possibilidade de mais. Então a solução dada por Deus foi que Jacó saísse daquele lugar e fosse para Betel. Eles foram e lá se instalaram (Gênesis 35.1).

A raiva dos irmãos estava impossível de ser dominada por causa daquele ato que trouxera humilhação para sua família. Mas não haveria conforto para a irmã na morte de tanta gente, inclusive de quem nada tinha relação com o que acontecera.

Havia a ânsia por justiça própria por causa da covardia de um homem em se aproveitar da fragilidade da menina. Mas não havia justiça feita para a vítima no ato cruel da vingança, pois ela nem sequer se beneficiaria com aquilo.

A sensação de impotência diante do que já estava perdido trazia tristeza para todos. Mas em momento algum foi mostrado o acolhimento da vítima, o que seria uma reação mais oportuna em um momento como aquele.

A vingança demonstrou o desespero dos irmãos em uma situação que escapou do controle. Ela deu um toque igualitário entre o agressor e a família da vítima, pois eles não só se vingaram do autor do abuso, mas estavam dispostos a se impor contra o mundo inteiro.

No final das contas, inúmeras pessoas estavam mortas e a menina continuava traumatizada. Além disso, muitas outras famílias perderam alguém que amava, aumentando o ciclo caótico e destrutivo do abuso.

Existiam questões de costumes da época, pois a filha não deveria estar sozinha e exposta a esse tipo de perigo. Como hoje em dia, ninguém acha que esse tipo de coisa pode acontecer dentro da própria família, mas infelizmente ainda é uma realidade bem antiga.

Quando se vê no rosto de alguém o sentimento ou as marcas da violência, em suas variadas formas, a sensação é simplesmente incompreensível. A vontade é poder utilizar de todos os recursos próprios para executar algum tipo de justiça.

O primeiro sentimento é o de culpa por não ter conseguido evitar aquele mal. A culpa se expande como uma fumaça, alcançando muitas pessoas, inclusive a Deus. E isso acontece apenas na mente de quem se acha injustiçado, pois quem está fora do contexto dificilmente vai entender o que se passa.

Hoje existem muitos procedimentos de apoio, entidades responsáveis, profissionais especializados, mas nada substitui o acolhimento, ainda mais se vier de pessoas amadas, como a família. Vários temas e teorias podem ser abordados a partir de uma situação como essa, mas não é o objetivo desse texto.

O mais importante é perceber como nossa própria justiça é frágil e incoerente. Aquilo que deveria ser um ato isolado pode se tornar uma fonte de ódio e gerar ainda mais incompetência, se não houver cautela. Todos ficam arrasados e traumatizados, adoecendo tudo ao redor.

Pessoas que deveriam ser protegidas acabam sendo vítimas daqueles que são responsáveis por elas. A crueldade se torna o alimento que gera energia para continuar o ciclo. As cinzas de algo que foi belo sufocam as vidas impactadas pelos atos violentos.

Como é fácil espalhar a miséria, como é simples caprichar na maldade quando se pensa estar fazendo justiça, como a vingança é algo que diminui ainda mais a possibilidade de recuperação daquilo que foi perdido.

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