Gênesis | Primeira herança

José passou de escravo e prisioneiro para governador do Egito. Acima dele só havia o Faraó, que lhe designou a tarefa de administrar tudo, no tempo da fartura e da fome previstas em seus sonhos (Gênesis 41).

Ele teve dois filhos. Manassés, cujo nome significava “Deus me fez esquecer de todo o meu trabalho e de toda a casa do meu pai”. E Efraim, que significava “Deus me fez crescer na terra da minha aflição” (Gênesis 41.50-52).

Cada filho contava, em seu próprio nome, um pouco da história daquele homem. Como ele havia chegado naquele lugar, naquela posição e a forma pela qual a sua história havia sido estabelecida por Deus.

Os filhos contam a história dos pais. Histórias que muitas vezes eles não conseguem expressar sozinhos, nem muito menos enfrentar. Então, acabam colocando nos pequenos o peso de algo que deveria estar resolvido.

A primeira pressão que os filhos recebem de seus pais são seus nomes, pois o seu significado pode estar declarando aquilo que não foi superado, desejos escondidos, medos não enfrentados ou relacionamentos desfeitos.

Alguns filhos podem aparecer em forma de salvadores, pois carregam nos seus ombros a pressão de resolver os problemas dos pais. Eles se tornam a esperança de completude e felicidade perdidas em algum ponto.

Outros aparecem como um troféu, que mostram uma conquista pessoal, que precisam ser mostradas para o mundo de forma declarada ou não. Como se esses prêmios conseguissem apagar feridas do passado.

Independente de tradições e costumes da época, ainda hoje, podemos observar o quanto os filhos carregam a bagagem dos pais, como eles, em sua inocência, já suportam o peso da solução de assuntos mal resolvidos.

Temas de uma geração, muitas vezes, são estampados na história dos futuros adultos, de forma inconsciente. Eles não têm a menor ideia de que essas mensagens ocultas vão aparecer em algum momento de suas vidas.

“Manassés” veio ao mundo com o intuito de apagar aquilo que era indelével, pois ele expressava o enfrentamento, o perdão e a resolução de um assunto que não podia ser substituído pela promoção, declarada por “Efraim”.

Essas duas figuras contavam que existia uma pendência na história do pai e que ele acreditava fortemente ter superado. Mas, quando um relacionamento possui feridas, nenhum substituto é capaz de curá-las.

Se existia uma mágoa dos irmãos, estampada no nome de Manassés, não é a vitória pessoal, declarada em Efraim, que vai ajudar o pai a superar esse tema. Eles apenas denunciam, de forma sintomática, o que precisa ser feito.

Mais à frente, nessa história, José teve que enfrentar seus irmãos. Mas esse enfretamento não é o tema discutido agora, então, vamos primeiro refletir a respeito de uma possível tentativa de transferência de problema.

Não estou dizendo que José não falou a verdade nessas declarações, pois acredito que ele deva ter “esquecido” mesmo o mal que fizeram para ele e as consequências da inveja dos seus irmãos. Mas a ferida ainda estava ali.

E quando falamos em esquecer, não significa apagar da memória, mas conviver com esse assunto de forma natural, vital e saudável. E, principalmente, não ter que viver dominado e em função da mágoa e ressentimento.

Porém, ainda era preciso enfrentar as reais relações que estavam danificadas. E, mesmo que ele tivesse toda a boa intenção de perdoar seus irmãos, aquilo ainda teria que ser vivido na prática, de forma experiencial.

Uma relação infectada por angústias não vai ser tratada por outra relação, muito menos por um filho. Não é justo com os inocentes, eles terem que carregar ou ser responsáveis por algo que eles nem mesmo entendem.

Infelizmente, isso é muito real. Muitos filhos são a porta que se fecha para resoluções de conflitos entre o próprio casal, ou entre outras relações. Porém, isso afeta toda a família, se não for conduzido de forma saudável.

As novas crianças acabam se tornando uma espécie de distração para os reais problemas que os pais querem evitar. Eles simplesmente acham que a chegada de um filho significa que aquele tormento não irá incomodar mais.

O nome da criança também pode ser visto aqui, apenas como uma metáfora. Pois a reflexão deve ser feita sobre o momento em que ela nasceu, o que havia pendente naquela época e que relacionamentos estavam em crise.

É muito comum que essas pendências sejam estampadas nos “nomes” dos meninos e meninas, que crescem e mostram, de muitas formas, o que precisava ter sido resolvido em outra época e simplesmente não foi.

A primeira herança que os pais deixam para seus filhos é a sua própria história, que as vezes está cheia de pendências e relacionamentos malconduzidos. E isso pode durar uma vida e até gerações.

A marca dos pais está estampada nos “nomes” dos filhos, que algumas vezes ficam sozinhos para resolver assuntos, dos quais não dominam. Eles enfrentam lutas constantes que nem conseguem explicar a verdadeira causa.

Assim, eles se tornam descaracterizados, possuidores de uma história que ficou pela metade no passado e que se perpetua no presente, mas que pode ser totalmente elaborada de forma diferente, em um futuro próximo.

Gn.41.51 - Acredito

Acredito que José estivesse profetizando, nos nomes de seus filhos, aquilo que aconteceria no momento do reencontro com seus irmãos. Que tudo que ele se propôs a fazer foi registrado nos filhos que Deus havia lhe dado.

Acredito que José quis realmente expressar o seguinte, com o nome de Manassés: Deus me fez enfrentar todo o meu trabalho de escravo e me colocou em um novo lugar, de posição privilegiada, conforme eu havia sonhado.

Acredito que ele também disse: Deus me fez superar as mágoas da rejeição que eu tinha de todos na casa do meu pai. Só que, para concretizar, faltava enfrentar os irmãos e mostrar a veracidade daquela declaração profética.

Acredito que ele disse o seguinte, através do nome de Efraim: Deus me fez crescer através de toda a aflição que passei, me tornei um homem capaz de superar tudo, inclusive de enfrentar meus relacionamentos destruídos.

Acredito que tudo isso não aconteceu com nascimentos dos filhos, nem com a promoção para o cargo de governador. Estes eventos eram apenas sinais do que ainda precisava ser feito, confrontado e resolvido.

Acredito que, quando houve o enfrentamento dos seus irmãos, o perdão e a expressão divina de acolhimento de sua família, as feridas foram saradas. Deus havia providenciado um reencontro com sentidos extraordinários.

Acredito que se ele não tivesse reatado os laços com sua família, talvez os seus filhos ficassem com essa missão. Mas, graças a Deus que ele se disponibilizou, pois sabia o que precisava ser encarado por ele mesmo.

Gn.41.51 - Frase de efeito

Os filhos de hoje dizem muito dos pais de ontem. E que, se estes últimos teimam em deixar pendências, seus filhos vão acabar pagando o preço pelos exemplos, formatos e padrões de relacionamentos que tiveram em casa.