Gênesis | Difícil confiar

Jacó estava com medo de enviar Benjamim ao Egito com seus irmãos para comprar alimento. Mesmo correndo o risco de morrerem de fome, ele não confiava que seus filhos mais velhos pudessem cuidar do mais jovem.

Depois do desaparecimento de José e da sua falsa morte, forjada pela inveja daqueles rapazes, talvez tivesse ficado o trauma da negligência. Ele não sabia oficialmente que o filho estava vivo, mas algo no seu coração o incomodava.

Quando eles voltaram do Egito, explicaram para o pai que o governador havia perguntado pelo mais novo. Então ele questionou porque eles haviam dito que existia outro irmão, como se houvesse algo “mal contado” (Gênesis 43.6).

Jacó, claramente, não confiava que seus filhos fossem capazes de cuidar de um irmão, pois ele lembrou do que havia acontecido com José e disse que não suportaria se algo de mal acontecesse com Benjamim (Gênesis 42.38).

A confiança abalada é um problema repleto de tensão, principalmente dentro de casa. Quando ouvimos uma pessoa falar e não damos crédito para quase nada que é dito, significa que alguma coisa não está bem naquela relação.

Às vezes, até nos esforçamos para acreditar nas intenções daquela pessoa e tentamos ter bons olhos para tudo que acontece, mas o desgaste acaba sendo um álibi que corrompe os nossos sentimentos. Vemos o que é mal.

Judá se ofereceu como responsável pelo irmão. Falou de uma forma que deve ter passado uma certa segurança para Jacó, pois sua resposta foi de permissão para leva-lo naquela viagem ao Egito (Gênesis 43.9).

O problema é que muitas vezes nos tornamos pessoas desconfiadas por causa de tantas frustrações. Pessoas acabam não acreditando em pessoas e isso acontece com muita frequência dentro da mesma família.

A relação fica muito pesada, pois é difícil reaver uma sensação de segurança depois que ela foi abalada por decepções. Mas é preciso ter um mínimo de consciência que nós também falhamos e a tolerância é fundamental.

As piores frustrações são geradas e movidas por expectativas mal organizadas. O que acontece quando se espera algo de alguém e isso não é devidamente comunicado ou trata-se de uma esperança irreal.

Não é uma questão de que as pessoas merecem um crédito de confiança, nem de que se deve esperar sempre o pior, mas de conhecer a si mesmo e ao próximo, pois a relação desgasta de ambos os lados, nunca de um só.

Quando existe uma comunicação emocionalmente aberta entre duas pessoas, fica mais fácil explicar o que se espera em cada situação. Além de que, os acordos ficam mais tangíveis e transparentes com o diálogo.

É possível ver muitos casais que se separam por causa de desgastes que poderiam ter sido evitados com uma conversa. Há uma tendência natural para culpar o outro, quando a relação está fragilizada pelo “silêncio” violento.

O primeiro exercício a ser feito é tentar se responsabilizar pelas frustrações em conjunto, pois ninguém vai conseguir ser cem por cento do que o outro espera. Por si só, essa esperança é irreal e fadada ao fracasso.

Neste caso, quando Judá se colocou como fiador do rapaz, havia ainda a possibilidade de algo não dar certo, mas havia também a certeza de que o irmão mais novo teria alguém que faria o possível pela sua segurança.

A conversa que aconteceu entre aquela família, deixou a mensagem clara. Embora todos estivessem em um momento delicado, com um parente preso em terra estranha e com risco de morte pela fome, creio que a mensagem foi:

Deus tenha misericórdia de todos nós e que voltemos a ser uma família em segurança. Com isso Jacó atribuiu a Deus o papel que ele não conseguiria exercer, que seria prever o futuro e garantir que nada de mal acontecesse.

Tenho um filho mais velho, Judá, que antes negligenciou José, mas que agora está disposto a se colocar no lugar do irmão mais novo. Com isso, ele delegou a Judá o papel de cuidador, pois ele mesmo se ofereceu para isso.

E se algo de mal acontecer e eu tiver que ficar sem filhos, então que assim seja, mas não vou ficar de braços cruzados e agarrado às minhas desconfianças, enquanto a morte certa irá chegar por causa da fome iminente.

Ele se responsabilizou pela decisão de permitir levar Benjamim, autorizou Judá como seu tutor temporário e contou com Deus para o que ninguém mais poderia fazer. Tudo isso em um discurso simples, claro e aberto.

Com essas declarações feitas para todos da família, Jacó estava atribuindo os corretos papeis para quem era devido. Estava consciente dos riscos e de quem se poderia esperar cada coisa, sem exageros ou fantasias.

Houve clareza nas suas palavras e ficou disponível para cada pessoa entrar no assunto, concordar ou não, o que também pode ser visto com a iniciativa de Judá em se tornar o responsável pelo seu irmão mais novo.

Com tamanha habilidade de comunicação, a melhor decisão foi tomada em conjunto, pois retirou-se o peso das dúvidas e abriu-se espaço para uma conversa rica, que permitiu melhores planos em um momento de crise.

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Como é difícil confiar. Fico pensando em quantas mentiras já ouvi, quantas traições já vivi, quantos abusos sofri, que me fizeram criar uma proteção impenetrável, na qual nem os mais confiáveis puderam entrar.

Como é difícil confiar. Foram tantas vezes que esperei o melhor das pessoas, mas sempre me engano quando alguém não diz o que eu queria ouvir ou não faz o que eu esperava que fizesse. Acho que nem eu teria feito também.

Como é difícil confiar. As pessoas em quem mais depositei amor e confiança foram as que mais me negligenciaram e deixaram de fazer sua parte para minha felicidade. Elas não me conheciam, nem sabiam o que eu queria.

Como é difícil confiar. Deixei nas mãos de pessoas responsáveis aqueles pertences que mais dei valor, mas parece que elas não dão a mesma importância que eu. Então perdem, quebram, destroem e me machucam.

Como é difícil confiar. Levanto minha voz para o céu e espero um milagre todos os dias, mas parece que Deus me esqueceu. Já que seus planos são tão diferentes dos meus, então parece que estou perdendo tempo.

Como é difícil confiar. Eu pergunto para mim mesmo quem eu sou, porque estou vivo, qual o motivo de estar aqui e só vejo o reflexo de uma criança com medo, sendo tratada, educada, tocada de formas tão erradas.

Como é difícil confiar. Olho para todos os lados e me vejo só, pois todos que um dia estiveram do meu lado não foram capazes de atender ao meu padrão exigente de confiança. Elas acabaram sempre me magoando.

Como é difícil confiar. Espero que um dia eu faça tudo diferente, mas parece que não tenho confiado em mim mesmo para fazer tarefas que um dia foram simples. Elas se tornaram tão complicadas quanto a minha desconfiança.

Como é difícil confiar. Estabeleço padrões inalcançáveis de crédito, respeito e apoio, mas acabo me frustrando cada vez mais com tanta cobrança, que parecem que tomam vida e se tornam meus piores inimigos.

Como é difícil confiar. Eu simplesmente decido que não vou confiar mais em ninguém, pois é mais simples e fácil viver sozinho do que ter que me submeter a tantos erros alheios. Então a solidão se torna uma confusão barulhenta.

Como é difícil confiar. As pessoas sempre tinham alguma coisa errada que me deixava com mais desconfiança. Então, muitas vezes, eu fiz questão de deixa-las primeiro, antes que eu sofresse mais decepções.

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Se é assim, então vamos, antes de qualquer julgamento, nos responsabilizar, sem culpas, por desgastes de relações e incompreensões. Sempre podemos fazer alguma coisa em nós mesmos que permita uma conversa franca.

Se é assim, então é melhor colocarmos cada pessoa em seu devido papel, dentro das suas possibilidades, sem esperar que elas sejam super-humanas capazes de nunca falhar e nos decepcionar em situações variadas da vida.

Se é assim, então é melhor desapegar da desconfiança. Pois, quando ficamos sozinhos com essa “amiga”, acabamos entendendo que ela é muito ciumenta e terminou levando embora as melhores pessoas da nossa vida.

Se é assim, então vamos ter que nos contentar com o que as pessoas têm para oferecer, pois, se quisermos mais, nem teremos satisfação com elas, nem conosco. E é bem provável que nós também não tenhamos o que exigimos.

Se é assim, então vamos ter que nos arriscar a nos magoar de novo, só que dessa vez, vamos tentar saber o que esperar. Nada na vida é fácil, muito menos conseguir construir relações de confiança e vínculos vitalícios.

Se é assim, então talvez estejamos procurando pelas coisas certas nos lugares errados, pois, de onde menos se espera, é que saem as mais belas paisagens. Olhar a natureza nos orienta bastante sobre onde encontrar vida.

Se é assim, então é melhor ter uma visão mais simples das coisas e das pessoas, porque tudo se complica mais ainda com a nossa ajuda. Somos mais do que as pessoas acham, somos mais do que temos, somos quem somos.