Jacó se aprontou para mudar de lugar. Ele saiu da terra que morava para encontrar o seu filho, que há muito não via. Aquele momento devia ser parte dos seus sonhos mais escondidos, mas estava diante dele a sua possibilidade.
Aquela restauração de laço entre pai e filho havia sido perdida fisicamente, mas emocionalmente ainda devia existir. E, para que houvesse o reestabelecimento, precisaria haver uma mudança, inclusive de lugar.
Os dois haviam sido separados sem vontade própria, mas, por causa de seus irmãos. E ainda havia uma mentira que sustentava aquela separação, pois Jacó achava que seu filho havia morrido, o que impedia qualquer reestabelecimento.
José deve ter passado muito tempo pensando em como estaria seu pai, se ele sabia que seu filho estaria vivo ou no que deveria ter acontecido, para que o pai não saísse em busca do filho desaparecido. Dentre outras questões.
A verdade de hoje é que muitos familiares se separam involuntariamente, mas as sensações são bem parecidas com essas. Um fica pensando o que se passa na cabeça do outro e o tempo alimenta ainda mais as dúvidas.
Às vezes, a separação acontece apenas emocionalmente pois, duas pessoas, que já foram íntimas, podem passar a ser verdadeiras estranhas dentro de casa. Simplesmente não se conhecem mais e não se “importam” com isso.
Passam-se anos e a rotina, as preocupações e as correrias da vida nos fazem acostumar com certas distâncias. Aprendemos a viver sem aqueles que mais amamos e nos subjugamos às dúvidas, desconfianças e incompreensões.
Chega-se a um ponto em que um simples cumprimento se torna “indiferente” e, às vezes, até difícil de se fazer. O desligamento se torna tão vivo, que a apatia do sorriso consegue congelar um ambiente, com direito a calafrios.
Pessoas distantes emocionalmente pensam que não dependem mais uma da outra, mas é exatamente o oposto. Existe uma maior dependência quando não temos a liberdade de nos expressar com emoção e autenticidade.
Tudo fica meio mecânico, opaco e sem vida. As relações vão sendo desfeitas como uma erosão de areia, deixando cada pessoa em uma situação alheia a qualquer tipo de envolvimento, preocupação e cuidado.
O desligamento entre pessoas próximas é tão real que elas sabem que há alguma coisa errada, mas perdem totalmente a habilidade de resolver. Elas ficam em cantos emocionais de parede e se isolam na primeira opção disponível.
Esse tipo de distância remete muito ao que esse pai e filho tiveram que viver durante anos, pois uma realidade própria, distorcida e não compartilhada estava disponível para os dois, sem direito a, nem sequer, colocar os olhos um no outro.
Isso pode acontecer dentro de uma família por inúmeros motivos e, pode acreditar, é mais comum do que imaginamos. Somente quando nos deparamos com situações novas, sem saber o que fazer ou dizer, é que nos damos conta.
Desse momento em diante, é preciso dar um passo em direção ao reencontro e uma mudança faz-se necessária. Jacó teve que sair com toda a sua família e tudo que tinha, para o lugar onde seu filho estava lhe aguardando, ansiosamente.
Ele teve que sair do seu lugar de conforto, pois a distância não mais fazia parte da sua mente e das suas emoções. Ele passou a saber que seu filho estava vivo, então precisava colocar os olhos nele e abraçar o “falecido” filho amado.
Existem momentos na vida, em que sentimos saudades e não sabemos de que ou de quem, somente temos a sensação de que estamos distantes, como se não sentíssemos mais a presença de alguém, mesmo ela estando do lado.
Nos deslocamos para lá e para cá com a esperança de voltarmos para o lugar onde nos conhecemos e não temos mais nem a lembrança do que estávamos vendo, sentindo ou vivendo naquela ocasião. Parece que tudo se apagou.
Assim mesmo, é quando estamos distantes daquilo que imaginamos pra nós, daquilo que pensamos um dia alcançar, ter e pertencer. Fazemos de tudo para não sair da rota, mas são muitos os desvios que a vida oferece pra ir longe.
Somos exatamente o que conseguimos ser e nossas relações também. Elas, muitas vezes, se apagam em algum percurso perdido e, mudam tanto, que nem reconhecemos mais quem está na nossa frente. Parece tudo muito estranho.
Ficamos procurando as perguntas certas, as frases que mais se encaixam no momento oportuno, mas parece que nada mais funciona, pois não sabemos mais quem está conosco. Tão longe do que imaginamos, mas tão perto de nós.
Emocionalmente, é possível criar lacunas que são preenchidas por muitas outras coisas, menos pela esperança de um reencontro. Viver algo novamente é tão fora de sentido, que preferimos desistir e tentar começar tudo de novo.
Todas as nossas relações possuem essa cola de ligação, que nos permite nos identificarmos um no outro. E, quando essa cola resseca, pelo tempo das decepções, resta a dor de um adeus que nunca foi dito, mas foi vivido.
Estabelecer valores em uma relação precisa ser a prioridade de toda ela. E somente com uma comunicação eficiente e abertura emocional isso pode ser mantido de forma duradoura. Sem isso, ficamos muito expostos às separações.
Muitos questionam como os desligamentos acontecem entre pessoas que se amam e até duvidam isso possa acontecer, pois o amor é suficiente. Porém, como amostra dele, é preciso um certo esforço para que as distâncias diminuam.
Voltando à história, eu fico imaginando o reencontro de Jacó com José, depois de tantos anos. Suas almas estavam distantes e o pai nem devia mais ter esperança de ver o filho em vida, pois já tinha a notícia da sua “morte”.
José devia estar em uma situação de desespero, sabendo que seu pai nem sequer sabia da sua existência. Ele devia ficar pensando o que seus irmãos haviam inventado, ao voltarem pra casa sem ele e como o pai teria reagido.
Devia ser um transtorno muito grande pra ambos, pois tudo caracterizava a perda de alguém que se amava muito. Independentemente da situação de cada um, eles devem ter vivido esse luto com muita intensidade de dor e sofrimento.
Como esse rapaz teve condições de assumir uma posição, tão importante no Egito, é também um exemplo de fé e esperança na volta para casa. Ele poderia ter se deprimido e se colocado na posição de escravo, definitivamente.
Mas, ao invés disso, ele lutou para reaver o que tinha sido roubado. Ele pediu favores, em meio ao sofrimento, e se dispôs a representar uma nação de crenças totalmente opostas às suas, mas sem corromper a si mesmo e ao seu propósito.
É realmente inspiradora essa história, pois mostra como duas pessoas, mesmo totalmente distantes, nunca desistiram uma da outra. Como uma pequena porção de esperança e uma enorme de fé podem recuperar muito.
Aquele encontro estava sendo preparado em meio à muita dor, mas tudo pôde ser reavido com uma capacidade de ter fé naquele momento. Finalmente, eles estavam reunidos, sem olhar para o passado, mas com um futuro disponível.
Querer viver essa expressão de vida é estar à disposição para sonhar com o reencontro, fazer o possível e deixar o impossível para Deus. Tudo que vivemos já representa uma expressão divina de contato e comunhão. Basta olhar ao redor e é possível perceber como tudo se conecta de forma simétrica e coerente. Se pudéssemos olhar com os olhos de Deus, então seria mais simples ver o todo, mas não vemos com tanta perfeição. Então, sejamos, dentro de nossas possibilidades e limitações, o máximo da elaboração de um contato genuíno com os nossos queridos, pois sempre seremos gratos pelas relações saudáveis que não se desligam e por aquelas que conseguimos reaver com muita vontade.