Gênesis | Talvez ajude

Jacó já estava bem debilitado, em sua velhice. Tinha dificuldades para sentar-se sobre o seu leito e os olhos já não funcionavam mais. A idade e o tempo mostravam os sinais de uma longa vida (Gênesis 48.1,2 e 9).

José levou seus dois filhos para serem abençoados pelo seu velho pai, que dispôs sua mão direita sobre o mais novo e a esquerda sobre o mais velho. Dessa forma, ele daria mais autoridade ao mais novo (Gênesis 48.18).

Vendo a cena, José falou que havia algo errado, pois seria costume o filho maior ser abençoado com a direita. Então, as mãos estariam trocadas, o que indicava que Jacó poderia não ter consciência do que estava fazendo.

Mesmo estando em uma situação fragilizada, Jacó disse para seu filho que sabia o que deveria ser feito e explicou a razão. José confiou na sabedoria daquele homem de corpo fraco, mas de mente segura (Gênesis 48.19).

O ritual com os netos foi feito da forma que o avô disse que faria, sem nenhuma contestação do filho, que apenas alertou que ele poderia estar enganado. Mas, ao ouvir a explicação clara do motivo, ele consentiu.

Fico imaginando o que José pensou naquele momento. Acredito que, sem nenhuma maldade ou crítica, mas, pelo contrário, com muito cuidado pela situação do pai, ele tentou mostrar o que seus olhos não estavam vendo.

Evitando qualquer reação extravagante ou sentimento de incompetência, Jacó respondeu que sabia o que estava acontecendo e que seguiria daquela forma mesmo. Longe de achar que o filho estava lhe diminuindo.

A observação de José poderia ter sido mal-entendida e a resposta de Jacó poderia ter sido defensiva e agressiva, mas não foi assim que aconteceu. Pois, uma relação de confiança dispensa qualquer tipo de julgamento.

Em uma conversa tranquila, considerando a situação e a visão particular de cada pessoa, é possível enxergar o lado bom e saudável das condições humanas. Jogando fora a tendência poluída de enxergar problemas.

É conveniente e sábio dizer “não” às crises de desconfiança, oferecer e aceitar ajuda, quando necessária. E, melhor ainda, é saber enxergar o potencial das pessoas, mesmo em um cenário de fragilidade, por qualquer motivo.

As limitações de Jacó eram realmente visíveis e incontestáveis. E, a preocupação do filho era nobre, ao tentar ajuda-lo naquela tarefa. Mas existem situações que podem e devem ser enfrentadas e resolvidas com autonomia.

O homem estava velho, cego e provavelmente muito cansado, mas ele fez um esforço para sentar em sua cama e realizar o que ninguém poderia fazer por ele, nem no lugar dele. Aquela ação era intransferível, naquele momento.

Muitas vezes, algo que parece simples para alguém, exige uma capacidade extraordinária de nossa parte. E quando somos colocados diante da falta de opção, a vida parece nos entregar oportunidades de superação.

Quando não damos um crédito de confiança a uma pessoa, estamos dizendo que não acreditamos que ela pode enfrentar determinada situação. Ela pode até não estar sabendo lidar, mas não significa que não consegue.

Ajudar alguém não significa substituí-la. Todos nós temos momentos de inseguranças e, infelizmente, algumas se tornam parte de quem somos. O desafio é compartilhar com quem confiamos e tentar supera-las.

É preciso realmente muita sabedoria pra saber delimitar fronteiras nos relacionamentos e encorajar pessoas a vencer seus próprios obstáculos, sem negligenciar o suporte saudável. Algo pode ser feito, sem confusão de papéis.

Nós não estamos nesse mundo para tentarmos fazer aquilo que outra pessoa tem que fazer. Ajudar alguém é preciso, mas, executar os planos que não nos cabem, apenas diminui a força que há em cada ser humano.

Precisamos acreditar mais no poder da individualidade das pessoas e que elas são capazes de se tornar melhores a cada dia. Deus concedeu aspectos exclusivos para cada um de nós e precisamos descobri-los.

Se José tivesse insistido com seu pai em trocar as mãos naquele momento, talvez a benção não tivesse sido da forma como Deus planejara. Se Jacó aceitasse a ajuda do filho, talvez tivesse aceitado uma aparente invalidez.

Quando uma tarefa é dada a uma pessoa, então temos que nos colocar ao lado e não acima dela, muito menos abaixo. Isso significa que ela mesma precisa fazer com a força que lhe está disponível, no momento oportuno.

Por incrível que pareça, ainda queremos viver por outras pessoas e a vida é uma das tarefas mais particulares que existe. Por mais que estejamos unidos e em comunhão, cada um tem sua singularidade de vida disponível.

Muitas vezes, queremos ver as debilidades dos outros no lugar de ver as suas qualidades de compreensão, execução e avanço. E existe algo de valor extraordinário em cada ser humano, basta estarmos atentos.

Não vamos entender que é errado ajudar alguém. Tal coisa estaria longe de estar certa. Mas precisamos ter cautela ao assumir, se responsabilizar e priorizar. Somente a própria pessoa tem esse direito e dever.

Existem muitas armadilhas ao se ajudar alguém da forma errada e temos que ser sábios para não sermos omissos. Também não podemos ser levianos ao tirar desse alguém aspectos tão valiosos, como: autonomia, força e vida.

Gn.48.19 - Dancando a vida

Ver as limitações de alguém é muito fácil e aponta-las é ainda mais. Os olhos conseguem nos enganar, pois nos mostram fragilidades e incapacidades que, para nós, parecem ser maiores do que a própria pessoa.

Alguns tendem a nos enxergar pelo que apresentamos por fora, pois, nem todos têm a sensibilidade de ver além disso. Sem falar que, muitas vezes, somos nós que contribuímos para que essa visão continue engessada.

Quando mais precisamos, todos se tornam críticos das circunstâncias e sempre há um conselho prático, como se não fosse possível pensarmos naquilo. É muito simples dizer o que fazer, quando a situação não nos afeta.

Se colocar no lugar do outro é como uma dança, na qual é possível entrar e sair de uma posição, na medida em que a música da vida é tocada com maestria. Ser um par faz de nós os melhores condutores do espetáculo de viver.

Cada movimento depende da iniciativa particular e da harmonia com a qual nos permitimos deslizar em conjunto, sem ensaio. Mesmo em lados opostos, sempre há uma forma de entender o quanto a liberdade é importante.

Os pés seguem o ritmo da melodia, ainda que ela mude com muita frequência e nem sequer estamos olhando para eles. Então, estes seguem uma mente disposta a acompanhar e capaz de se alegrar com cada passo dado.

Os ouvidos são os melhores amigos de quem se dispõe a perceber para que lado seguir e transportar a alegria de estarmos juntos. A beleza de tudo isso está em entender o momento de cada um e como se reage a cada nota e tom.

Gn.48.19 - Talvez ajude

·       Talvez ajude olhar a capacidade, no lugar da fragilidade

·       Talvez ajude o caminhar lento e não correr para a queda

·       Talvez ajude a sabedoria adquirida com o tempo de vida

·       Talvez ajude o que temos, do que aquilo que não temos

·       Talvez ajude extrair mais aprendizado dos erros vividos

·       Talvez ajude o poder da superação que está disponível

·       Talvez ajude quando ajudamos alguém a ser uma ajuda