Jó desejou nunca ter nascido, o que pareceu ser um pensamento suicida, embora sem nenhuma intenção declarada dele mesmo tirar a sua vida, mas com expressão evidente de excesso de medo e ansiedade (Jó 3.25-26).
O dia do nascimento de uma criança é marcado pela alegria da chegada da inocência perdida com o tempo. Chega diante dos pais o semblante e a esperança de fortalecimento do laço puro do vínculo familiar.
O abrir os olhos representam a luz que a criança enxerga pela primeira vez e traz o brilho novo das novas perspectivas. O toque de almas entre o enxergar de uma mãe, que esperava para que tão indefeso ser também lhe visse.
O choro que abre os pulmões e recebem os primeiros sopros de ar, o cheiro daqueles que irão segurar e proteger de todo mal. O som que revela a vida em sua plena juventude e sonora conquista de uma jornada inteira pela frente.
A pele intocada e mais limpa que a mais pura e lisa seda, que reveste um ser totalmente único e que fará parte da vida de uma família acabando de começar. Novos planos, novas visões, novos amores, tudo completamente novo.
Momento que relata, no silencio do sono mais tranquilo da vida de alguém, as expectativas de quem será sempre amado. Que dia feliz e cheio de graça, com o milagre da vida estampado em uma forma particular de existir.
Deveria ser dessa forma, deveria ser assim. Com certeza, um dos dias mais felizes para os pais de Jó estava sendo amaldiçoado pelo sofrimento insuportável daquele homem. Memórias de dias bons estavam vindo em sua mente.
Não acredito que ele quisesse ter deixado de nascer, mas acredito que ele quisesse mesmo voltar à presença dos pais, que lhe acolheram com tanto amor na sua chegada ao mundo. Na esperança do conforto e ausência de medo.
Medo que ele falou com muita ênfase e que, seguramente, não acontecia nos braços paternos e acolhedores, no seu nascimento. O medo, que ninguém conseguia levar embora, lhe trazia à memória o tempo em que isto não existia.
A dor era tão grande que as palavras saíam distorcidas pelo sofrimento e confundiam seus reais desejos. Pois ele gostaria de ser amparado como um bebê que não teme o dia de amanhã e não se preocupa com quantos já foram.
Voltar a um momento único de sua vida, no qual a voz das canções de ninar eram suficientes para lhe fazer adormecer. E o seio da sua mãe, que alimentava seu corpo, também fortalecia a experiência de total ausência da solidão.
Jó, naquele momento, estava se sentindo desamparado e sozinho, sem a proteção daqueles que lhe haviam trazido tão confortavelmente ao mundo, com cuidado e promessas de uma vida longa e cheia de planos alegres.
Ele não sabia onde estariam aquelas pessoas que o amaram tanto, mas tiveram que partir para que desse continuidade ao ciclo da vida, daquela forma tão dolorosa. Teria feito o mesmo com seus filhos, que também foram embora.
A sua pele já não tinha mais o aspecto da juventude e ainda mostrava, nas úlceras, como ele estava por dentro. Os olhos não brilhavam e sequer abriam para ver a luz, pois até o raiar do sol o machucava, em tamanha escuridão.
O dia em que nasceu não era amaldiçoado, mas ele sentia raiva de não poder voltar àquele dia e viver toda uma enxurrada de esperanças, de novas perspectivas e de presenças que lhe traziam tanta paz e segurança.
De nada adiantava ter vivido tamanha explosão de felicidade, se não seria possível recuperar tudo aquilo de volta. A sua voz passou a expressar outro tipo de choro e não mais de um novo folego, mas da falta de ar.
Até o respirar era complicado e sem vigor, e as lágrimas doíam nas feridas da pele, que um dia foi perfeita. Não havia ninguém que pudesse dizer algo que lhe ninasse como sua amada mãe fazia, nem palavra alguma lhe adormecia.
Todos os seus sentidos estavam voltados para a exclusiva expressão do fim. E esse parecia ser muito cheio de dor e vazio de alegria. Cheio de ansiedades e nenhum plano agradável, que devia ter sumido naquela escuridão.
Em uma oração cheia de sofrimento, Jó expressou como estava se sentindo e onde os seus olhos estavam fixos. Ele elaborou o vaguear dos seus pensamentos e emoções de forma melancólica e poética (Jó 3).
A arte contida nas suas palavras mostrava que ainda havia vida, em meio a tanto sofrimento. Nada estava sendo desconsiderado, pois ele colocou, no suspiro da sua oração, o poder de voltar ao momento do seu nascimento.
Com o engano de querer destruir aquele momento tão especial, ele resumiu toda a sua vida no pranto de não querer existir. Sem perceber, ele retornou ao vivo instante da sua chegada cheia de propósito ao mundo do seu Deus.
Lamentou todos os momentos de alegrias que havia vivido, até aquele momento, pois nada teria tido sentido em comparação ao que ele estava vivendo. Lamentou a vida que recebeu e tudo que teve o prazer de construir.
Sem ver de onde tirar resquícios de esperança e na frente dos seus melhores amigos, ele simplesmente pediu por socorro. Alegou não ser digno de continuar respirando, nem sequer estar mais vivo para continuar diante dos seus.
Estes passaram um tempo em silencio, ouvindo toda aquela cena de penúria e a dança mórbida da alma de um homem em pânico. Não podiam dizer nada, a não ser ouvir e sentir a mesma dor que envolvia todo o ambiente.
Lamenta Jó. Você está só, doente, pobre e seus filhos estão todos mortos. Não há mais nenhum sinal de que voltará ao momento do teu nascimento, nem de ser acalentado pelos braços seguros da sua mãe e do seu pai.
Lamenta Jó. Tudo que você viveu até agora não faz mais sentido, pois não há sequer alguém com quem compartilhar sua dor. Ninguém vai ouvir todo seu gemido no meio da madrugada, pois todos estarão dormindo tranquilos.
Lamenta Jó. A vida passou e você não tem mais o que conquistou e que foi motivo de tanto orgulho. Nem mesmo aquilo que você usava para ajudar vai estar disponível para você ignorar seu sofrimento, vendo o de outra pessoa.
Lamenta Jó. Você chegou nu nesse mundo e agora parece que está mais desnudo do que nunca. Nem mesmo sua pele você tem mais para lhe proteger e cobrir a vergonha das feridas que ardem todo o tempo.
Lamenta Jó. Você não tem mais os braços da sua mãe, que lhe seguraram durante aquele momento alegre que você está amaldiçoando. A voz segura do seu pai não está mais por perto para dizer o que fazer e para não ter medo.
Lamenta Jó. Com tudo isso que está passando na sua vida, não faz sentido chorar mais, nem ter fé que algo vai mudar. Acabou pior do que você poderia imaginar e ninguém vai se compadecer de você. Ninguém se importa.
Lamenta Jó. Não há para onde ir a não ser para a escuridão da sua cova. Abandona tudo e deixa que a vida termine o que começou a despedaçar. Não há mais nada para você por aqui, então esquece seu Deus e morre.
Levanta Jó. Eu ainda estou aqui e chorei com você em cada lágrima que derramou e toda vez que por mim clamou, para que a dor acabasse. Nunca desisti de você e nunca vou desistir, pois EU SOU tudo que você precisa.
Levanta Jó. Farei um novo começo em sua vida. Lembra do dia em que nasceu e que esse dia seja novamente celebrado com muita alegria. Não mudarei nada, mas EU QUERO e farei tudo novo. Você não está só.
Levanta Jó. Ergue os seus braços em adoração, pois tudo que você perdeu, eu lhe darei mais. Farei com que incontáveis pessoas sejam inspiradas pela sua história e pelo que EU POSSO fazer e farei em sua vida. Não acabou.