Os amigos de Jó haviam combinado de consola-lo e ficaram calados, ouvindo o que ele tinha para dizer, mas não conseguiram fazer isso por muito tempo. Eles tiveram que externar o que estavam pensando sobre o sofrimento dele (Jó 2.11).
Depois da oração de lamento que ele fez, o silêncio foi quebrado e Elifaz começou a falar. Talvez ele tenha esquecido que, se existia alguém capaz de conter suas próprias palavras, seria ele mesmo (Jó 4.1).
Elifaz fortaleceu a identidade de Jó, falando dele como aquele que sempre consolou e ajudou. Mas suas palavras se transformaram em elogios de pressão, mostrando que ele não sabia lidar com os próprios problemas (Jó 4.3-5).
Era como se dissesse que Jó não tinha o direito de cair e ficar abatido com o que estava passando. Como se um professor não pudesse ser ensinado ou como se um bombeiro não pudesse ser socorrido de um incêndio.
Acho essa abordagem muito desnecessária, porque parece que alguns papeis que exercemos na vida nos tornam tão inatingíveis e superiores, que experimentamos a ausência do sentido principal de que somos humanos.
Não é porque eu tenho o costume nobre de ajudar alguém que eu nunca vou precisar de ajuda. Não é porque sou homem e pai de família, que não tenho o direito de chorar, por não saber lidar com algum tipo de situação.
As fraquezas existem em todo ser humano e podem ser superadas com ou sem apoio. Seria melhor que não existisse tanta expectativa sobre o homem de Deus, pois, ele não deixou de ser homem para passar a ser Deus.
Alguns cargos familiares ou sociais parecem nos destituir de toda e qualquer ameaça natural da vida. E são poucas pessoas que entendem que, algumas situações parecem retirar a pessoa de um papel e colocar em outro.
Não é porque Jó sempre ajudou as pessoas que nunca chegaria o dia em que ele mesmo precisaria de ajuda, de um ombro amigo, de um ouvido disponível, de uma companhia que sentisse a sua dor, sem precisar dizer nada “sábio”.
Muitas pessoas, principalmente no universo masculino, preferem não mostrar como se sentem, para não demonstrarem sinal de fraqueza. Mas, dar a si mesmo o direito de chorar, lamentar e mostrar que está doendo, isso sim é força.
Cada pessoa tem uma forma particular de lidar com as diferentes situações, mas não sei se existem muitas variantes para o choro. Se está sofrendo, então o ser humano deveria conseguir expressar através de lágrimas, naturalmente.
As palavras de Elifaz intimidaram a pessoa que estava em luto e lhe deixaram numa situação ainda mais complicada. Acrescentou, ao seu sofrimento, a impressão de incapacidade de lidar “adequadamente” com tudo aquilo.
Fico imaginando se era o momento para quebrar o silêncio daquela forma. Se é realmente importante expressar o que se pensa em uma situação tão desconfortável. Se há alguma coisa que precisa ser dita, de fato.
Talvez o movimento de um abraço acolhedor e completamente “isento” de sabedoria seja mais eficiente. Talvez somente ficar ouvindo e sentindo tudo que a pessoa sente seja mais humano do que qualquer explicação exuberante.
A verdade é que nós queremos escolher o que ouvir. Não estamos dispostos a suportar as lamentações de ninguém, já que, na maioria das vezes, elas não têm sentido. Preferimos ouvir as falas que sejam cheias de coisas boas.
O absurdo do sofrimento de alguém parece que não serve para nada, mas expõe sentimentos que podem estar enterrados e que não estamos dando a menor atenção. Somos críticos especialistas quando se trata de dizer basta.
O ponto fundamental é que Jó estava sofrendo. E não importava se ele já teve a honra de ajudar alguém ou não. O papel de um amigo, numa situação daquelas, deveria ser isento de juízo e repleto de acolhimento.
O gelo que saiu pelos poros de Elifaz demonstrou muita frieza e que não capacitou o amigo a mudar do pensamento de agonia para um pensamento de esperança. Pareceu mais uma falta de sensibilidade, do que um socorro.
Talvez não restem dúvidas de que, em momentos de perda, aflição e angústia, as pessoas ficam totalmente despidas na nossa frente. Elas exalam um perfume desagradável e o hálito nos mostra como estão por dentro.
As pessoas que estão num estado como este não querem ouvir soluções óbvias, nem as causas que apontem para a culpa. Elas precisam de um simples gesto de apoio, de uma presença compreensiva e que se importe.
Elas precisam de alguém que as entenda. E saiba que, mesmo se um dia estiveram fortes, no momento estão fracas. E, além disso, que nenhum dos seus próprios papeis será mais importante do que o papel de quem está perto.
Aparentemente, isso está se tornando muito difícil de entender e de praticar. Não importa quem somos e as coisas mais brilhantes que já fizemos, deveríamos ser totalmente livres para viver o luto de quem amamos e as perdas da vida.
Seria muito bom se pudéssemos comunicar uma dor profunda, com a precisão racional. Mas, melhor ainda seria que as pessoas, às quais delegamos o papel de suporte, pudessem entender a linguagem das nossas emoções.
Há tempo de sorrir e tempo de chorar. E, se isso fosse somente para pessoas específicas, então seria ótimo descobrir quem são estas, pois elas seriam as mais capacitadas para nos acolher quando mais precisássemos.
Quando se trata de mim, eu prefiro chorar em silencio e não mostrar que minha dor é maior do que eu posso suportar naquele momento. Eu nunca precisei de ninguém, não posso fraquejar agora.
Quando se trata de mim, eu sou homem e pai de família, não tenho direito de pedir ajuda pra minha mãe e correr para os braços dela quando sentir medo. Meu pai me ensinou a ser forte, então não vou mostrar que estou sofrendo.
Quando se trata de mim, me sinto mais seguro se ignoro que não sei o que acontece. Pedir a opinião de meus amigos vai mostrar que eu não sei o que estou fazendo, quando dou um conselho para alguém. Vou perder a razão.
Quando se trata de nós, parece que fica mais suave saber que há alguém com quem eu posso ser eu mesmo e dizer como estou me sentindo naquele momento. Ainda que não faça sentido pra ninguém, nem pra mim mesmo.
Quando se trata de nós, me alivia ter você por perto. Nem sempre nos entendemos, mas é tão bom saber que tenho outra pessoa. No final das contas, acabamos procurando pelas melhores afinidades que nos unem.
Quando se trata de nós, o fato de ter razão não parece ter o menor sentido, pois a conexão com outra vida me afasta da solitária sensação de ser perfeito, o tempo todo. Eu posso o que o outro não consegue e vice-versa.
Quando se trata de Deus, eu me desligo da obrigação de saber tudo e vejo que nada sei. Pude perceber que a ausência de certas obrigações me deixa mais livre para desfrutar e enfrentar qualquer situação. Vejo que a sabedoria absoluta não está em mim mesmo, mas está em quem me criou da forma que sou e me dá a oportunidade de melhorar, todos os dias. Só assim posso ver, com meus próprios olhos, o poder que há nessa ligação de vidas, que está disponível o tempo todo. Sei que posso sorrir, chorar e, em qualquer circunstância, tenho alguém que me entende e ensina que não se trata de mim, mas se trata de nós.