O discurso infindável de Elifaz possui algumas riquezas de sabedoria, inclusive ótimos conselhos. Mas, para quem está em uma situação como a de Jó, a expectativa com relação a um amigo pode ser bem diferente.
Algo peculiar para se observar nesse trecho é o tipo do conselho falado em primeira pessoa, que enaltece e expressa que a própria pessoa sabe o que fazer, enquanto a outra é colocada em uma posição de quem não sabe.
Independente da intenção, que pode ser a melhor possível e das palavras, que podem ser as mais sábias que existem, é melhor considerar a situação de quem está ouvindo. É preciso sensibilidade que transcende.
Quando um conselho é dado, em um momento de perda e luto, é como se houvesse total desligamento emocional com o ouvinte, com relação ao que está acontecendo com o outro. Mostra uma certa falta de compreensão.
Talvez Jó não estivesse interessado em saber o que ele faria, se estivesse no seu lugar. Afinal, as dores não podem ser emprestadas, elas são particulares e os pensamentos dele já deviam ter percorrido por muito caminhos.
Outra coisa. Ele aconselhou a Jó que buscasse a Deus, como se já não o fizesse ou tivesse feito, como se ele tivesse se afastado, o que pode ter soado como uma acusação grave, principalmente para as emoções fragilizadas.
Por mais razão que tivesse, ele não conseguia encarar o fato de que Jó devia ter tentado de tudo para diminuir o peso de sua angústia. Elifaz subestimou a capacidade do amigo, em fazer algo que ele poderia fazer sozinho.
Dói, ainda mais, estar em pedaços e ter que ouvir que é fácil resolver seus problemas. Certamente não há nada fácil quando se está em luto, nem há opções para que a dor se transforme em ânimo. Simplesmente dói, e muito.
Ficar diante de alguém que está sofrendo e colocar a simplicidade de solução, não confirma seu sofrimento e parece mais um erro da pessoa. Achar culpado, numa hora como essa, só vai agravar a situação e expõe outras feridas.
Seria ótimo ter uma receita pronta para sermos um bom amparo, mas, infelizmente, não conheço. Cada situação exige muito de quem sofre e de quem está tentando ser um conforto, ainda mais em situações desconhecidas.
Estar próximo de alguém, tanto nos momentos mais felizes, como nos mais tristes, nos coloca em um papel único e insubstituível. Ficamos à disposição da relação e não do pessoal. Isso é maravilhoso demais pra explicar.
Por favor, meu amigo. Tente entender o que estou passando. Eu acredito em tudo isso que você está me falando e agradeço pela sua ajuda e disposição. Mas eu estou sofrendo, então me deixe tentar mostrá-lo como estou me sentindo.
Veja minha pele, como está tomada das dores que me sufocam. Quero abraçar os meus filhos e não os tenho mais. Entenda meu amigo, que tudo que preciso é que você sente do meu lado e me dê a sua mão pra eu segurar.
Eu queria tanto poder explicar melhor, mas não consigo ter energia pra isso. Me falta fôlego para dar uma razão razoável para tudo que estou sentindo. Minha cabeça não para de doer, de tanto pensar e tudo que eu quero é o seu abraço.
Não posso esperar que você saiba como me sinto, pois você nunca passou por algo parecido, nem desejo que isso aconteça. Mas eu gostaria muito que você me olhasse e visse a minha situação, sem comparar com outras.
Não tenha medo de não saber o que dizer, porque não há nada que possa ser dito para suavizar o que sinto. Minha vida está praticamente no fim, então me deixe ficar perto de você e ouvir o seu choro, em sincronia com o meu.
Eu não sei dizer o que eu quero, então não me ensine, por favor. Tudo que eu penso é no que se foi e não voltará mais. Por mais que eu tivesse toda a fé disponível, eu não conseguiria pensar diferente. Tente me entender.
Lembro das vezes em que estive aí, no seu lugar, e fiz do mesmo jeito. Mas eu não tinha ideia de que tudo que eu precisava fazer era estar perto, dar a mão e ficar triste junto. Até agora, eu não entendia isso com tanta clareza.
Nunca desejaria que você passasse por tudo isso, pois seria muita crueldade da minha parte. Mas parece que, pouco a pouco, eu começo a entender como eu agiria com alguém, na mesma situação em que estou agora.
Nessa hora, parece que eu começo a entender o sentido de tanto sofrimento, porque parece que me dá a esperança de ser, para outra pessoa, um amparo de verdade. Coisa que eu nunca consegui fazer e pensei que fizesse.
Vejo você na minha frente, com tantas palavras sábias, quando na verdade eu gostaria mais de falar do que ouvir, se fosse possível. Eu gostaria de ver uma lagrima sua, de poder saber que você realmente está comigo nesse instante.
Queria poder falar todas as bobagens do mundo e saber que tenho alguém para me ouvir e fazer de conta que eu sou a pessoa com mais razão neste lugar. Mesmo se eu pedir uma explicação, diga que não sabe, por favor.
A conexão entre as pessoas parece ser a saída. De forma que, quem está sofrendo possa falar e aconteça o entendimento recíproco. É preciso preencher qualquer silêncio com uma companhia que compartilha das mesmas emoções.
Em momentos como esse, a posse da sabedoria não importa muito, pois não há nada que possa ser dito para explicar início, meio e fim de uma situação atemporal, como a perda de alguém. Sem falar nos outros sofrimentos.
Muita coisa pode ser falada, respondida e aconselhada, mas, se não houver o compartilhamento das mesmas emoções, tudo pode soar de forma inoportuna. Sem se colocar completamente no lugar do outro, é impossível ser útil.
Sem querer criar expectativas perfeitas, pois ninguém nunca foi, está, nem nunca vai estar preparado para lidar com a perda. Nem quem está vivendo a terrível dor do luto, nem quem está incumbido de dar o suporte “adequado”.
Mas existe um caminho de ligação de almas que está disponível, só que poucos estão dispostos a sentir a dor dos outros. Ainda mais quando se trata de um cenário que, naturalmente, nos amedronta tanto e nos deixa desorientados.
Muito se tem ouvido a respeito de que é necessário se colocar no lugar do outro, mas pouco se tem praticado nesse sentido. Principalmente, quando falamos das emoções de alguém e não apenas dos seus pensamentos.
Tentar entender como alguém pensa, talvez seja menos arriscado do que sentir o que alguém está sentindo. Mas, se temos a missão de assumir esse risco, mesmo quando não entendemos nossas próprias emoções, então…
Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vê-lo, lançou-se aos seus pés, dizendo: Senhor, se tivesses estado aqui, não teria morrido meu irmão. Jesus, vendo-a chorar e chorar também os judeus que a acompanhavam, gemeu em espírito, perturbou-se…. Jesus chorou. João 11.32-35 [grifo do autor]
Embora soubesse que iria ressuscitar Lázaro, irmão de Marta e Maria, Jesus se compadeceu do sofrimento daquela família e chorou. Se isso nos ensinar um pouco do que significa se colocar no lugar de alguém, estaremos no caminho.