Dizem que, em momentos de dor, os dias passam mais devagar, como se fossem tormentos intermináveis. Porém, nessa fala de Jó, é possível ver a preocupação com o passar acelerado do tempo.
A nossa perspectiva de tempo está muito centrada no agora, em como estamos nos sentindo naquele exato momento. A dores que ficaram para trás são lembranças das marcas que construíram um futuro.
Mesmo que tenhamos as piores memórias do mundo, nunca vamos conseguir reviver uma dor de cabeça, da mesma forma. Mas, podemos perceber o que ela fez conosco e como ela influenciou em quem somos agora.
As apunhaladas que cortaram nossa alma deixam feridas e são essas que latejam. Pois, se fôssemos tentar lembrar da dor exata que sentimos durante o corte, não conseguiríamos trazê-la com a mesma intensidade.
Jó estava vivendo uma das piores dores do ser humano. Ele tentava expressar seus sentimentos com a máxima verossimilhança possível e que convencesse seus ouvintes. Mas era a ferida que estava inflamada.
Não se tratava mais do momento da perda, mas o que ela havia deixado para aquele instante, ou tirado dele. Os amigos estavam ali, mas pareciam não perceber o ser humano quebrado pelo vazio da saudade.
Não bastasse tudo que aquele homem tinha passado, ele devia estar com a sensação de não reconhecer seus melhores amigos. Parecia estar difícil discernir quem eram aquelas pessoas. Ele os havia perdido também.
A recordação tentava trazer as lembranças das pessoas com quem ele tinha o prazer de conversar, compartilhar e viver histórias. Devia ser muito confuso vê-los de frente e não os ter, de fato. Não eram mais eles.
O que vocês estão fazendo? Meu tempo está se esgotando e vocês não percebem que eu estou aqui. Olhem pra mim e vejam como estou agora, façam o que eu faria se fosse o contrário. Eu não consigo me explicar, não tenho forças. Seria tão difícil me dizer que eu sou especial, ao ponto de merecer um abraço? Apenas isso seria suficiente para me colocar de volta no lugar. Esse tempo que temos agora, não vamos mais ter, daqui a pouco. Vejam o que estou passando, com meus pensamentos parados nos momentos que eu não soube aproveitar. Eu quero fazer isso agora, mas parece que vocês não me enxergam e continuam martelando seus valores na minha mente fragilizada. Não é isso que eu quero, não é isso que eu preciso, não conheço vocês.
Eu queria ter aproveitado melhor o meu tempo. Eu teria abraçado mais minha mãe e dito o quanto ela era importante. Queria tê-la feito sentir a pessoa mais querida do mundo e agradeceria por tudo que ela fez por mim.
Queria ter visto mais o meu pai, mas ele não estava por perto quando eu tive as minhas piores quedas. Acostumei com o pouco tempo que tinha com ele, até que eu mesmo fui me afastando e já era adulto demais para abraçá-lo.
Casei e tentei ser um bom marido, mas quando percebi eu estava afogado na montanha de trabalho e de responsabilidades que me tiravam muito tempo de casa. Tentei conquistar o que não tinha, enquanto o que tinha ia embora.
Os filhos nasceram e fui tragado por mais pressões, que não me deixavam colher os frutos do que eu plantava. Perdi a primeira medalha do meu filho e esqueci de parabeniza-lo pelas suas importantes conquistas.
Quero voltar para quando meu filho me desejava boa noite. Eu queria ter a sabedoria que tenho hoje, para deixar escapar um sorriso de felicidade com aquele gesto. Faria questão de dizer que o amava, até ele pegar no sono.
Tentei olhar para os lados e vi que meus irmãos estavam no mesmo ritmo que eu, então achei que estava no caminho certo. Até que fui perdendo um por um e não lembro o que aconteceu para nos afastar tanto.
Meus filhos seguiram meus passos e, quando tive tempo para pensar no que podia ter feito diferente, eles não pensavam mais da mesma forma que eu. Mas, estavam repetindo intensamente o que vivi, durante minha vida toda.
O primeiro netinho foi a minha nova oportunidade de fazer tudo diferente, mas eu havia dado outro exemplo aos que eram, de fato, responsáveis por ele. O que eu ensinei estava distanciando meus filhos dos seus filhos.
Outras regras foram criadas para dar sustento a todos que faziam parte daquele convívio. Tudo que eu tinha ensinado parou de fazer sentido, pois o mundo estava tão diferente da minha época. Só os problemas se repetiam.
Mesmo não concordando com muita coisa que estava acontecendo e com os caminhos trilhados, eu tive que observar, às vezes calado, às vezes gritando. Tentei entrar nos assuntos dos mais jovens e não adiantava muito.
Como eu deixei aquelas pessoas escaparem, eu nunca vou conseguir entender, mas continuo tentando recuperar o tempo que passou. E isso não facilita em nada na minha luta para retomar cada um deles para perto de mim.
Como perdemos tempo com coisas vãs. São muitas confusões que fazemos por muito pouco. Estamos diante das coisas mais preciosas das nossas vidas, mas deixamos de olhar para elas, para focar em um futuro incerto.
Somente com o experimentar das ausências é que nos tornamos sábios para querer reaver o que não temos mais. O tempo passou velozmente e não temos controle daquilo que não pudemos fazer, da forma que faríamos hoje.
As pessoas se foram e deixaram lembranças. Algumas agradáveis e outras não. Mas, se fosse agora, eu faria tudo de forma tão diferente, que transformaria qualquer desentendimento em uma oportunidade de aproximação.
Sempre vamos olhar pra frente, aguardando o que não temos e desejando o que não somos. Crescer faz bem, realmente, mas é o agora que temos nas mãos para fazermos as melhores escolhas que irão construir os amanhãs.
A velocidade do tempo é cruel conosco e nos enfraquece, quando nos mostra quem nos tornamos, nossos erros, faltas e o que deixamos de fazer. Os dias que passaram não retornam, para tentarmos com mais cautela.
São as esperanças de reconstruir o que foi perdido e de retomar o que foi levado embora que consomem os restos de energia que ainda existem. Relações foram destruídas por falta de sabedoria, compreensão e compaixão.
Fomos levados de um lado para o outro sem esperar que pensássemos no que estava acontecendo. Entendemos as nossas ausências, que torturam, quando sentimos falta daquilo que um dia foi nosso e não é mais.
As pessoas são dadas por perdidas, antes mesmo de estarem, pois nos afastamos na esperança de ter um pouco de paz. Emocionalmente estamos desvinculados do que nos sustenta e nos capacita a seguir em frente.
Tudo passou como um sopro rápido e invisível. Assim foi o tempo que me deixou aqui neste lugar, sem saber, nem ao menos, o que houve realmente. Eu queria voltar e fazer tudo de novo, usando o que aprendi.
Porém, a minha sabedoria atual não serve mais para o que passou, pois não tive a paciência de enfrentar a dor que me fez fugir. Fui precipitado e somente agora eu percebo o que deixei para trás. Os momentos se foram.
O tempo não voltou quando eu pedi. Ele continuou passando como se não esperasse por mim, nem pelas pessoas que deixei. Quando olhei bem, elas não estavam mais ali. Então, pedi pra voltar, mas foi perda de tempo.