Jó | Apenas a queixa

Jó estava participando do seu próprio julgamento, no qual parecia nem se direcionar mais aos amigos que estavam ali presentes, mas, diretamente para Deus, ele falou livremente sobre sua situação e como se sentia.

Não é sempre que sabemos dar uma definição explícita para uma queixa, pois tudo parece se confundir quando nos colocamos no lugar de réu. A impressão é que todos estão nos condenando por um crime muito grave.

O que está por trás do apresentado é o que realmente fala. Ao tentar explicar o inexplicável, a dor parece que começa a narrar sozinha e por conta própria. Sem nenhuma pena, ela pode nos colocar em uma posição de culpados.

No momento em que este homem começou a não se dirigir mais aos seus acusadores, demonstrou o início de uma liberdade completa de expressão. Ele parecia ter perdido a esperança de ser socorrido pelos amigos.

A queixa deste homem passou da perda dos seus bens, filhos e saúde, para a busca de culpados, juntamente com aqueles homens que estavam o tempo inteiro lhe recriminando, pelo que ele tentava falar espontaneamente.

A busca das razões se tornou um peso ainda maior para ele, que lhe levou a se sentir causador de tudo que havia acontecido. Seu direito ao luto foi tirado para que ele vivesse uma posição de interrogado e condenado.

Ele expressava aquilo que sentia sem limites e pra quem tivesse ouvidos. A amargura do sabor da sua vida era externada do seu ser. Quem tivesse o paladar sensível sentiria o sabor que somente ele estava provando.

Ele se dirigia diretamente a Deus e falava daquilo que lhe corroía a sua armadura, que era o medo da condenação. Esta traria mais uma perda em sua vida, além de tudo que já estava acontecendo no seu mundo.

A sua liberdade emocional e espiritual era realmente impressionante, pois reforçava a falta de vigor pleno, diante de tantas palavras sem sentido. Ele abria sua alma, escancarava seus sentimentos e se derramava.

Ele exalava integridade, honestidade e autenticidade. Colocando seus argumentos como um pedido de misericórdia, como quem sabe que não está no lugar do juiz, mas está humildemente tentando convencê-lo de sua inocência.

Ele achou força restante para compactuar com o seu próprio tribunal, mostrando segurança. Infelizmente, parece que ainda lhe sobrava o desejo de provar isso para seus amigos, que deliberadamente já o havia condenado.

Jo.10.1 - Queixa

São nas conversas mais difíceis de explicar que uma queixa original se transforma em culpa e, consequentemente, em um julgamento. Muitas dessas conversas se tornam insuportáveis por causa da falta de compreensão.

O que deve ser uma oportunidade de compartilhamento de emoções e sentidos, pode se tornar em uma opressão desnecessária. Tentamos explicar o que está despertando a tristeza, a qual vira o nosso pior juiz.

Parece que somos colocados contra a parede por frases feitas que nos pressionam de forma muito injusta. O martelo da sentença é um artifício muito pesado para quem está sofrendo, por qualquer motivo que seja.

São muitos acusadores que fornecem argumentos contra nós, que nos diminuem ainda mais e tentam tirar até a nossa liberdade de paz. Falta-nos a quem recorrer e não achamos o amparo necessário para relaxar.

Aqueles homens não tinham o direito de julgá-lo por nada. Já que não tinham a sensibilidade de confortar, então que ficassem calados, ao invés de jogar tanto peso nas costas feridas daquele homem. A perda estava sendo ampliada.

Jó havia perdido tudo e, com essa abordagem, mais um pouco. Ficou desorientado com tanta incompetência de relacionamento apoiador. Viu a si mesmo em uma situação que ia de encontro às suas expectativas.

É muito interessante como nossa mente está poluída de acusações e julgamentos, pois a primeira reação tende a ser essa. Tentamos ver aonde está o problema para depois aliviar a dor dos feridos. Precisamos inverter isso.

Não importa o quanto alguém esteja sofrendo e como ela está reagindo a um momento de desespero, temos uma tendência natural para achar o ponto de sangramento, estancar a hemorragia e depois cuidar das feridas.

Talvez essa abordagem seja bem apropriada para ferimentos na carne, mas, na alma não é bem assim. É preciso drenar ao máximo o que tiver que sair e deixar que saia ainda mais, de onde está escapando o fluido.

Caso haja a necessidade de chorar, então que chore bastante e derrame tudo que está lá dentro de forma que nada impeça esse fluxo. Deixemos os absurdos serem expulsos, colocando nossos impulsos em segundo plano.

A ferida terá que sangrar de fato, até que ela seja totalmente limpa de dentro para fora, não o contrário. Nada que tenhamos disponível para dizer será mais poderoso do que a conexão com a ferida interior de alguém.

Jo.10.1 - Tres nos

A queixa. O que está implícito nas lamentações pode ficar evidente ou não, mas é preciso certo esforço para que se entenda além do que está sendo falado. A pessoa precisa dizer o que está sentindo, da maneira dela.

A culpa. Cavar mais em busca de motivos e culpados não ajuda em nada. As pessoas querem ser ouvidas e compreendidas. Os pensamentos de alguém, na situação aqui descrita, podem confundir até os mais sábios.

O julgamento. Se colocar em uma posição de juiz, cheio de valores, por mais nobres que sejam, vão diminuir ainda mais quem precisa ser acolhido. E já está dolorido demais para ter que se preocupar em ser condenado.

Jo.10.1 - Efeito

É perceptível o efeito de desligamento de Jó, pois não havia energia suficiente para ter que explicar porque se estava sofrendo. A falta dos seus filhos e as feridas na sua pele já deviam falar sozinhas o que se passava por dentro.

Depois de tentar explicar sua queixa, com riqueza de detalhes, Jó foi se desligando aos poucos daquelas presenças e focando em Deus. Mesmo sabendo que, quem estava ali, eram pessoas de sua íntima confiança.

Essa foi uma decisão dolorosa e sábia. Dolorosa porque ele devia estar contando com os amigos para serem um apoio durante o luto. E sábia porque, em Deus, ele estaria prestes a recorrer a uma fonte segura de consolo.

Deve ter sido desapontador para aquele homem, ter que abrir mão de um recurso tão valioso, como a amizade. Mas estava difícil demais ter que explicar um sofrimento tão óbvio e cheio de sequelas visíveis e palpáveis.

Ter que se justificar o tempo todo por algo pesado que ele tinha que carregar, tornava aquela carga ainda mais insuportável. Não havia alívio naquele ambiente que lhe desse um descanso para tomar fôlego entre uma fala e outra.

Esse tipo de interação acontece em qualquer espécie de relacionamento. Cansamos de explicar determinadas coisas, sem a ambição de convencer ninguém, mas apenas pedindo ouvido, atenção e socorro.

Na tentativa de conexão, acabamos nos desligando, pois não encontramos reciprocidade em tal intenção. Percebemos que não estamos sendo compreendidos e simplesmente desistimos, exaustos de lutar.