Zofar, outro amigo de Jó, começou o seu depoimento de acusação, chamando de tagarela, a pessoa que estava em luto. Talvez ele tivesse esquecido que tudo que seu amigo podia fazer, era falar (Jó 11.2).
Nesse ponto da conversa, eu imagino que as emoções tenham ficado mais acaloradas. Pois, com o passar do debate, começamos a perceber que aparecem agressões mais explícitas e com entonações mais densas.
O artifício de falar talvez fosse um dos poucos que Jó ainda conseguisse utilizar para expressar a solidão que estava sentindo. Mesmo estando acompanhado daqueles homens, eles se comportavam como desconhecidos.
Em momentos assim, o ridículo faz total sentido. Aquilo que nunca diríamos em situação confortável, aparece com muita clareza. A confusão de pensamentos e sentimentos está pronta pra virar uma bomba prestes a implodir.
Vomitar algumas violações da razão podem trazer certo conforto, nem que seja temporário, mas que sejam pelo menos recebidas por um ouvinte capaz de reconhecer a loucura da dor e a incoerência da miséria.
Quem dera que essas mensagens encontrassem um receptor hábil em abraçar o insano. Como seria maravilhoso estar diante de alguém que entendesse o que estamos passando, através das imprudências verbais.
Sabemos que nem sempre isso é possível, que não estamos o tempo inteiro dispostos para ouvir todo tipo de coisa. E era isso que estava acontecendo. Jó queria falar e não tinha quem lhe ouvisse, só encontrava repreensão.
Tudo que ele tentasse explicar não iria passar de loucura, pois as pessoas que estavam ali não estavam dispostas a ouvir qualquer coisa. Pelo contrário, estavam apontando insinuações, acusações e passaram para agressões.
Eles estavam numa sequência atormentada pela insensibilidade e incompreensão. Sem dar a mínima atenção aos sinais evidentes de sofrimento do amigo, os ouvintes passaram a falar mais do que deviam.
Transformaram completamente a intenção da sua visita de apoio em um tribunal de horrores. Inflamaram ainda mais as chagas daquele homem que estava em prantos e tentaram injetar um pouco mais de vergonha.
Estavam totalmente desconectados da amargura do amigo e prontos para terminar o que estava quase no fim. Sem nenhum traço de misericórdia, criaram um ambiente ainda mais desagradável do que já estava sendo.
Seria excelente que pudéssemos sempre discernir quando podemos ou não fazer alguma coisa. Melhor ainda seria saber o que fazer em cada circunstância da vida, mesmo que isso ultrapassasse as nossas possibilidades.
Até quando decidimos não fazer nada, já estamos fazendo algo. Em todo tipo de relação, estamos sujeitos a ouvir os mais pretenciosos e absurdos conselhos, mas se tem algo que nos deixa menores é alguém querer mostrar o que fazer.
Pior ainda é alguém chegar a dizer que não podemos fazer nada. Que estamos em uma situação tão deplorável, talvez pior que a de Jó, que não vamos poder fazer nada a respeito. É uma sentença muito cruel de se ouvir.
Fazer ou não fazer não define soluções, necessariamente. As situações precisam ser encaradas de forma real e mais espontânea possível. Dizer o que alguém deve fazer ou deixar de fazer transfere muita incapacidade.
Infelizmente, sempre vão aparecer pessoas que focam demais naquilo que não podemos, de acordo com a visão pessoal delas. Isso machuca, principalmente, quando se trata de alguém íntimo e de confiança.
Trazendo para um cenário familiar, existem filhos que crescem com as amarras da incompetência ditadas por pais despreparados. Muitos jovens estão confundindo o que pode com o que não pode ser feito.
Obviamente, existe diferença entre permissão e possibilidade. Na primeira, os pais mostram aos filhos que não devem fazer, sabendo o que é melhor para eles. Organizando a hierarquia parental e mostrando responsabilidade.
Na segunda, há um perigo de injetar na criança um pensamento de falta de opção. Colocando os pequenos em situações que serão carregadas pelo resto da vida, na forma de baixa autoestima e medo de mudanças.
Estamos criando uma geração que confunde escolhas, que não sabe o que pode e o que não pode e acaba compensando através dos excessos, como em um grito de falsa liberdade dos cárceres domésticos.
Os princípios se perderam de tal maneira que os desafios estão sendo levados para uma direção oposta às escolhas maduras e saudáveis. Aquilo que não pode, passa a dever e o que não deve, passa a poder.
Os danos que estamos vendo na sociedade estão vinculados aos aspectos de competência versus imprudência. As pessoas estão buscando compensar o que não puderam através daquilo que não convém (1 Coríntios 6.12).
Em resumo, aqueles amigos poderiam ter feito tudo, se tivessem continuado ouvindo. Mas, estavam muito ansiosos por achar a solução e terminar com aquilo. Foram impacientes com os detalhes e repletos de informações.
Do outro lado, estava Jó, cheio de tormentos e lamentos, se remexendo no seu interior e exterior. Ele sabia que podia tudo, mas queria chorar sua angústia com seus amigos. Não deveria ser querer muito, mas acabou sendo.
A primeira coisa que devíamos poder fazer é aprender a ouvir. Este é um fundamento básico de interação e relacionamento, que não estava disponível para Jó, durante a conversa sem fim, na qual ele estava imerso.
A habilidade de escuta é fundamentada pela força de calar-se e prestar atenção no que está sendo dito por alguém. Tal raridade está cada vez mais complicada de se encontrar, pois o falar está se tornando imperativo.
Muita coisa é dita por quem deveria estar apenas ouvindo. Não há limites para as sabedorias que precisam ser estampadas por algumas pessoas. Elas não se dão conta de que podem fazer algo mais importante do que falar.
O ato de ouvir ficou para segundo plano, se perdeu de alguma forma. É algo que as pessoas não sabem mais fazer, pois elas não podem reproduzir um comportamento que não aprenderam em casa. Estão ávidas por falar.
Podemos e devemos reverter esse ciclo da surdez, ouvindo o que nossos filhos precisam nos contar, dando atenção às pequenas sabedorias em construção, para que eles entendam o valor de serem ouvidos.
Ouvir, muitas vezes, é tudo que posso fazer, é tudo que tenho a oferecer. Eu não preciso ter resposta para todas as perguntas, nem achar que só serei aceito se falar demais e encher os espaços vazios com minha falta de atenção.
O pouco se torna muito, quando estamos dispostos a ouvir com cuidado. É uma delicadeza sábia e cheia de valor, principalmente para quem entende o poder desse mecanismo, que deveria ser natural e não compulsório.
Nem tudo que tenho pra falar, convém a todos, nem tudo que posso fazer, cabe em toda situação, mas posso ouvir, sempre. Com tal oferta, eu mostro o quanto me importo e estou presente, o quanto minha disposição é real.
Lamento não ter as palavras mais lindas para dizer como me sinto, mas estou aqui perto e meus ouvidos estão atentos. Posso mostrar que eu realmente posso tudo. Posso ser o que você precisa. Eu posso ouvir. Pode falar.