Em uma mistura poética dos sentidos humanos, Jó comparou o paladar com a audição. De forma prática, é bem verdade que muitas vezes não sabemos compreender as palavras por causa do “sabor” que elas têm (Jó.12.11).
Aprendemos a mudar nosso habito alimentar porque nos faz bem. Aprendemos a saborear o amargo, pelo contraste com o doce. Aprendemos a degustar a acidez, porque realça muitos alimentos.
A miscelânea de palavras pode ser desagradável, mas talvez nem tudo esteja perdido. Acredito que, dentro dos ingredientes das frases estão componentes nutritivos para a alma. Embora, alguns sabores denunciem sua toxicidade.
É impossível perceber a capacidade de um diálogo, sem ter habilidade de escuta crítica. É preciso refinar o nosso “paladar auditivo” para conseguirmos ter melhores compreensões, ser mais tolerantes e menos reativos.
Nossa insegurança demanda os elogios e tem uma baixíssima compreensão dos reais motivos por trás de exortações. A incapacidade de saber ouvir qualquer coisa está tornando as experiências de relacionamento mais superficiais.
Podemos escolher o que falamos, mas nem sempre temos tanta liberdade com relação ao que ouvimos. Isso depende da motivação de uma conversa e do conteúdo que cada pessoa tem para oferecer, na sua maneira.
Jó deixou bem claro que estava disposto a ouvir, tanto que ficou à disposição dos amigos, enquanto pôde. Ele só queria um pouco de sensibilidade daquelas pessoas com relação a situação que ele estava vivendo.
Sua mensagem estava sempre centrada na necessidade de acolhimento, o que era a real expectativa daquele homem. Como ele não conseguia convencê-los de que não era o momento para tanta informação, começou a desistir.
Parece que o ouvido de Jó era bem treinado para as variantes de entonações contidas em uma conversa, até porque, a impressão que tenho é que ele estava mais interessado nas presenças companheiras, do que no conteúdo.
Ele estava tentando reaver a ligação emocional com os amigos que compartilharam momentos de alegrias, mesmo que isso lhe custasse ouvir informações desnecessárias e que, inclusive, o machucassem.
A solidão estava sendo parcialmente resolvida, não da melhor maneira, mas seus amigos estavam ali. Então, ele tentou continuar aquela conversa, mesmo que as “papilas gustativas” auditivas estivessem insatisfeitas.
Falar o óbvio. Jó banalizou o que estava sendo dito, como se estivesse ouvindo algo óbvio. Nessas horas, ninguém quer se sentir inferiorizado pela sabedoria dos outros. Elas precisam ser legitimadas (Jó 12.3).
Frases soltas ou prontas diminuem aquilo que valorizamos muito em nós mesmos, que é a nossa capacidade intelectual. A pessoa em sofrimento pode se sentir como se fosse um motivo de zombaria (Jó 12.4).
Excesso de segurança. Jó menosprezou o excesso de segurança, sabendo que qualquer um está sempre sujeito a escorregar na sua própria soberba. Sem uma pitadinha de temor, o homem beira a inconsequência (Jó 12.5).
Um grande volume da arte de “achar” pode levar qualquer um ao fracasso nos seus relacionamentos. Como foi o caso desses amigos que, ao invés de dar ouvidos, preferiram colocar o angustiado contra a “verdade” deles.
Observação da natureza. Jó demonstrou que buscava sabedoria na observação da natureza. Esse tipo de declaração é para poucos que conseguem ter a sensibilidade de aprender com a sublime criação divina. (Jó 12.7;8).
É como se fosse possível compreender a beleza bruta da natureza, sem a falsa “perfeição” da intervenção humana e dela extrair as informações essenciais à vida, entendendo um pouco do misterioso modo do Criador.
Jó fez questão de dizer que, em algum momento, falou diretamente com Deus e que recebia resposta, como se isso não acontecesse mais. Imagino que a sensação dessa perda deve ter sido a pior de todas que aconteceram (Jó 12.4).
Era como se o seu contato íntimo com Deus tivesse sumido juntamente com tudo mais que ele havia perdido. E, pela forma como ele fez questão de enfatizar esse fato, dito em tempo passado, parecia está fazendo muita falta.
Para quem não tinha mais “nada”, devia ser muito difícil enfrentar palavras amargas, recheadas de culpa, cobertas com falta de sensibilidade e temperadas com juízos e valores. O sabor não estava sendo agradável.
Reter algo é mais do que ouvir e sair pensando a respeito, está relacionado com o que podemos fazer com aquilo, em nosso benefício mútuo. É uma fonte de conexão e não apenas de informação, pois fortalece vidas.
Saber o que é bom em uma conversa não significa ter consciência daquilo que queremos ou precisamos ouvir, mas daquilo que constrói. O que nos edifica vai além do que sentimos e confirma possibilidades de mudanças.
Quando estamos em uma interação cheia de expectativas desconexas, as palavras fogem do nosso controle e espalham decepções, ao invés de unir pessoas. São labirintos de ideias que não dão dicas de saída.
Fragmentos do que já sabemos e a ausência de um envolvimento genuíno acabam piorando a situação. Em uma boa conexão existe a troca de experiências e os temas discutidos servem para crescimento de todos.
Para Jó, parecia estar insuportável se concentrar em tantas perdas, sem os apoios fundamentais da sua vida. Os pilares mais importantes para o funcionamento daquela vida estavam se esvaindo e confirmando a solidão.
Estava difícil demais de tentar reter alguma coisa boa naquela visita, já que o seu intuito não havia se cumprido. Tal via de comunicação não estava levando a lugar nenhum, só aquecia ainda mais a fornalha da confusão.
Ele havia perdido muito, inclusive os seus amigos, pois, eles não pareciam mais os mesmos. Perdeu a sua sabedoria, já que estava tendo que aprender tudo de novo, através dos discursos daqueles seres insensíveis.
Para completar a tragédia, ainda era acusado de ter perdido a fé, pois não sabia mais em que acreditar, para entender tamanho sofrimento. Mesmo nas suas observações mais poéticas, ele parecia não “ouvir” mais a natureza.
Escancarando aquela penitência viva, ele não tinha mais as respostas que recebia do seu Deus, que um dia lhe respondeu com tanta intimidade e agora parecia estar distante. Era como se tivesse sido abandonado.
O gosto daquelas expressões estava cheio de toxinas perigosas para a saúde física, mental e espiritual. Jó poderia ter perdido suas últimas esperanças de dias melhores, ele poderia ter acreditado em tudo que estava ouvindo.
As conversas não existem só para confirmar teorias e valores. Se alguém sai delas com um saldo muito negativo, algo deve estar desconexo. Se as vidas participantes não conseguem reter nada de bom, o que sobra?