Jó começou a contestar alguns aspectos humanos para Deus. Ele falou da ansiedade e da solidão, com muita ênfase. Expressou esses dois temas que pareciam lhe inquietar e extrair seus últimos suspiros de esperança (Jó 14.1-3).
Ele diminuiu o valor da ansiedade através do reflexo da rápida passagem do homem por esta vida. Os seus cuidados pareciam estar remetendo aos dias em que tinha saúde e se preocupava com assuntos desnecessários.
Sua lembrança devia ser de quando tinha “tudo” e se preocupava com coisas sem valor, desnecessariamente. Como aqueles momentos eram propensos ao descanso, embora, pouco desfrutados pela falta de sabedoria oportuna.
Ele olhou para o passado e viu um homem cheio de vida, mas que estava inquieto, mesmo possuindo o que, no momento, não tinha mais. Ele olhou para um tempo remoto que devia dar a sensação de preocupação infundada.
Parecia que de nada valia o excessivo cuidado da vida do homem, que olhava apenas para si mesmo e caía na armadilha de querer sempre mais. Tudo que tinha foi efêmero e pequeno ao ponto de cegar os olhos da maturidade.
Esse parecia ser o lamento de alguém vivenciando as perdas, com a ausência completa da esperança naquilo que já possuiu e com muito arrependimento por ter dado ouvidos ao passageiro aspecto do “ter”.
Como ele disse: quem dera que fossemos como uma árvore que, mesmo sendo cortada, ainda tem esperança de brotar, que ainda tem grandes expectativas em ver novamente seus ramos crescendo e dando frutos (Jó 14.7-9).
Ele diminuiu a sua importância e se considerou inferior a um vegetal. Sua capacidade de se renovar com o “cheiro da água” lhe parecia inalcançável. A angústia o incapacitava de se ver como um ser mais complexo.
Embora sua criatividade estivesse intacta ao conseguir fazer uma observação tão bela da natureza, ele ainda diminuía sua importância. O que dá a impressão de que seus valores estavam sendo profundamente tocados.
Dentre todas as reflexões de Jó, aquela que talvez fosse a mais dolorosa era a solidão. Nenhuma dor parecia soar tão aguda. Era como se ninguém estivesse vendo a sua aflição e nem tomasse partido por ele (Jó 14.22).
Esta sensação parecia pressioná-lo por uma solução imediata. Se estava prestes a ir para a sepultura, então que fosse logo. Ou que, se houvesse a possibilidade de ter descanso, que viesse a gozar os seus dias.
Como em uma luta com Deus, com perda garantida, Jó descreveu seu fracasso, principalmente como pai. A falta dos filhos devia estar triturando os pedaços que ainda lhe restavam. Era como um misto de agonia e frustração (Jó 14.20-21).
Estar em uma batalha perdida aumentava ainda mais a sua dor. Que falta que ele devia estar sentindo de seus filhos e de Deus, que parecia estar lhe massacrando com o silêncio. Na verdade, ele se sentia só.
Nos dias de hoje, o que tenho percebido é que muita gente está se sentindo assim. A família não entende o que se passa no nosso coração. Nossos planos parecem absurdos e não vemos quase ninguém vibrando conosco.
A nossa pior batalha acontece dentro de nós mesmos, pois vemos tanta ausência de apoio, que ficamos variando entre superar esse obstáculo, a vontade de desistir de tudo e a dúvida sobre se estamos no caminho certo.
A dor desfigura quem sofre a perda e os mais próximos não têm a sensibilidade de nos enxergar, nem ao menos nos reconhecer, de abençoar nossos planos e de dizer uma palavra de motivação, que seja.
Não importa o quanto se peça socorro, ninguém ouve. A solidão é completa na amargura, a escuridão nos cega e ninguém é capaz de entender o que passamos. Como um segredo escondido, a dor se torna algo guardado.
Essa é a solidão que maltrata, pois nem ao menos as nossas loucuras são suportadas pelos mais íntimos. Ficamos confusos, sem saber se fomos abandonados ou se um dia tivemos alguém de verdade.
Só nos resta nos digladiarmos com Deus, até que tenha um fim. Ele é o único que entende o que estamos passando. A capacidade de remendar o tecido rasgado só pode estar em quem entende do material usado.
Não deveria ser dessa forma. A família deveria ser um apoio, os amigos poderiam dar suporte, mas a sensação é de que ninguém entende o que está acontecendo, ou prefere ficar alheio até que eu me levante.
Então eu começo a entender que tudo faz parte do meu crescimento, que estou vivendo cada situação para uma reconstrução pessoal. Vivo todos os dias na esperança de dias melhores, que demoram uma eternidade pra chegar.
Parece um ciclo que não acaba mais, pois já vivi isso muitas vezes e não para de se repetir. Fico me perguntando o que falta aprender e porque tenho que viver o mesmo dia tantas vezes. Sinto saudades. Sou abandonado. Estou só.
Que possamos amar ao próximo como a nós mesmos. O que pode ser entendido como fazer o que esperamos que façam por nós. Ou dar aquilo que mais almejamos, nas nossas maiores necessidades (Mateus 22.39).
Ao invés de sentar e chorar o abandono e a falta de sensibilidade das pessoas, podemos oferecer aquilo que não estamos recebendo. Sabendo que todos, sem exceção, têm a carência comum de não estarem sós.
Dessa forma, ficaremos mais preenchidos do que no vazio da espera, pois estaremos praticando um ensinamento espiritual e mandatório para toda e qualquer pessoa que aceita tamanha sabedoria simples e poderosa.
Esse foi o mandamento que Jesus nos exigiu para que, com tal prática, possamos ser cheios da sua própria vida em nós mesmos. E que possamos multiplicar tal informação, com a maestria que nos foi ensinado.
Foi o que ele fez e continua fazendo. Mostrou que, não importa quem irá decidir receber seu presente, será dado de graça. Que não deve haver preocupação com agradecimentos, retribuições ou reconhecimentos.
Que exemplo. Se pudéssemos enxergar o “abandono” por essa ótica, não estaríamos tão deprimidos, pois, saberíamos que tudo está debaixo de um controle supremo, que não se preocupa com o tempo apressado.
A sensação de estar sozinho estaria diminuída pela certeza de que temos, além do exemplo, um Deus que cuida de nós e nos chama de filhos. Essa paternidade não abre concessões para abandonos, ela é real e infindável.
Saber que, em momento algum, estamos desligados do braço forte de um pai que é capaz de entender todas as nossas dores. Que viveu cada uma delas e fala com domínio e propriedade sobre sua presença constante.
Não há nada que nos separe desse amor, nem que nos esconda dos seus olhos. Todos os dias estão prometidos para que tenhamos a confirmação da companhia viva de quem, de fato, nos entende (Romanos 8.35).
Então, se mesmo aqueles que nos amam nos deixarem e nos fizerem ouvir o silêncio da solidão, tenhamos a segurança de que não estamos sós. Ele sempre estará conosco em todo tempo, até o fim (Mateus 28.20).
Seria muito bom pegar toda essa riqueza de ensinamento e transformá-la em prática diária. Assim, não abandonaríamos ninguém, não deixaríamos só quem mais precisa de nós e, por consequência, nunca seríamos solitários.