Os olhos possuem uma linguagem muito própria, que pode transmitir as emoções de forma íntegra ou não. Existem pessoas que nos comunicam sentimentos, segredos, verdades ou mentiras, apenas com o olhar.
Quando os olhos flamejam, ao ponto de exibir a sua chama, o coração poderá estar tomado de medo. Parece contraditório, mas é muito possível que a face mostre uma coisa totalmente diferente do que acontece no interior.
O pânico da mudança e da passagem dos estágios diversos da vida enrolam os corpos dos homens e mulheres que, como Lázaro, passaram quatro dias em decomposição nos seus túmulos, dados como mortos (João 11.44).
Sair de uma cripta para a luz e ter uma nova chance de viver pode assustar até os mais valentes, pois as pessoas que estão fora, assistindo a sua saída daquele estado de morte, estão chocadas com tamanha diferença.
Jó estava reagindo àquelas palavras que não lhe ajudavam a sair do seu lugar de putrefação, mas não estava mais calado e submisso ao horror da insensatez daqueles homens que não se esforçavam para tirá-lo dali.
Tudo era dito para segurar aquele homem de Deus em um estado de culpa e paralisia mental e emocional, mas ele estava começando a reagir, com o pouco que conseguia, estava dando seus primeiros passos para fora.
Seus olhos mostravam a sua insatisfação com aquela visita desprovida de apoio e incapaz de suportar o seu mal cheiro. A chama violenta da vermelhidão em seu globo ocular estava dando sinal para sair daquele lugar.
Uma mudança estava acontecendo e havia medo de enfrentar o que lhe esperava, mas seu olhar permitia uma leitura diferente, pois mostrava a saída do estágio decrépito para uma eufórica vontade de sobreviver.
A raiva era o que parecia ser mostrada para quem visse, mas não era apenas essa a emoção latente naquele homem. Havia muito mais, havia a tentativa de expressão e expectativa de entendimento pelos mais íntimos.
Tentativa essa que deve ter durado horas de palavras e que deviam esquentar sua cabeça por tanta falta de crédito. Posso até imaginar os olhos escarlates de Jó, escaldando seus pensamentos e queimando por dentro.
Prestes a explodir de tanta solidão e falta de acolhimento, aquele homem estava se esforçando para sair daquela cena constrangedora e acabar logo com tamanha falta de conexão com quem um dia soube aproveitar sua alegria.
Somos parte do que envolve a criação divina. Somos o único ser que tem a sua imagem e semelhança, mas fomos criados com o mesmo material que originou tudo e compõe o chão que pisamos e o pó que respiramos no ar.
Quando olhamos para a natureza, aprendemos um pouco mais de nós mesmos, pois ela conta um pouco das nossas fragilidades e modos de operação. Ela expressa muito do que nos formou e como estamos imersos nela.
Por isso eu gostaria de enfocar a visão de fogo nos olhos de Jó. Como ele deveria estar se sentindo naquela hora e o que se passava em seu coração para que fosse representado daquela forma agressiva e assustadora.
Se o medo era o objetivo daquela expressão, então ele também deveria estar sentindo o mesmo. Como um animal que ataca ao se sentir amedrontado com visitas inesperadas e inimigos que tiram a sua paz tão preciosa.
Esse sentimento era o que tomava conta do coração de Jó e a raiva foi apenas o veículo de comunicação usado em seus olhos. Incapaz de ser compreendido, ele devia estar temeroso de não ter com quem contar.
Devia ser assustador não achar o amparo para tanta dor e ser submetido ao que mais lhe perturbava de forma tão cruel. Aqueles amigos estavam pegando o seu sofrimento e o tornando em um peso de culpa, confusão e julgamento.
Além de tudo que ele já estava vivendo com as perdas, tinha que estar diante de pessoas que não compartilhavam com ele os mesmos pensamentos e sentimentos. Certamente havia o pânico na mente daquele homem.
Depois de várias tentativas de explicações, ele parecia estar recorrendo a uma forma mais instintiva de expressão. Mostrando, em seus olhos, um mecanismo que faria seus ouvintes sentir o mesmo que ele.
Essa era uma nova forma de interação, uma forma mais bruta do que ele já havia feito, através de palavras de sofrimento. Algo um pouco mais selvagem de conexão de almas, exibição de sentimentos e confronto.
Parecia não haver mais opções, já que seus melhores amigos estavam alheios ao que se passava no interior daquele homem. Indiferentes aos acontecimentos e forçando uma situação menos inteligente.
É uma pena, mas esse tipo de interação é muito comum entre pessoas íntimas. Deixamos de ouvir a voz real das mensagens e aprendemos a reagir às emoções, que são expressadas em forma de instinto animal.
Temos medo das mudanças, pânico das novidades e temor da intimidade. Estamos sempre fugindo de relacionamentos que nos impulsionem para caminhos fora da nossa rota conhecida. Atacamos ou fugimos da maturidade.
Muitas vezes, um novo cabelo branco nos assusta mais do que esportes radicais ou outros perigos mais inusitados. O tempo nos deixa medrosos e furiosos, diante das frustrações que temos que viver para crescer.
São diversas situações simples que nos amedrontam com facilidade. Geralmente, as que mais estão ligadas às perdas. Seja do tempo, da juventude, das pessoas, do sucesso e de tudo que pensamos que nos define.
Na verdade, o mais interessante é que não sabemos como fazer o tempo voltar e nem conseguimos parar para consertar as coisas. Parecemos garotinhos assustados tentando escapar dos padrões que nós mesmos criamos.
Tudo parece um referencial de diminuição da própria imagem. As pessoas que conseguiram o que não conseguimos, a vitalidade para recomeçar que perdeu quase toda a força e por aí segue, num ritmo comparativo sem fim.
O fato é que não estamos dando o valor adequado para nossa própria experiência. Estamos vivendo a mesma fase do ciclo de vida de décadas atrás, como se não tivéssemos aprendido nada com as perdas vividas.
Não somos definidos pelo que ganhamos, mas pelo que perdemos. É duro, mas é verdade. Jesus nos ensinou que iriamos encontrar a vida quando a perdêssemos. Isso nos faz pensar se estamos dispostos (Mateus 16.25).
São as transformações e mudanças que ocorrem, acompanhadas da ação de abrir mão de algo ou de muitas coisas ao mesmo tempo, que nos movimentam a seguir em frente. Mas a nossa tendência natural é fugir ou atacar.
Talvez a nossa segurança esteja fundamentada em areia movediça. E nada como perder aquilo que nos alicerça, para que a confusão se acomode em nosso pensamento. Passamos a expressar o medo em forma de raiva.
Temos que questionar tudo, quem é responsável, até mesmo no que se refere aos propósitos divinos, que estão além da nossa compreensão. A confusão trazida pela ignorância nos atormenta tanto, que nada nos conforta.
As dúvidas se instalam e a dor se manifesta de muitas formas, mas um dos nossos padrões mais destrutivos da expressão de medo e raiva, é culpar as pessoas que mais amamos e confiamos, inclusive a Deus.