Não há nada pior do que se sentir um estranho entre os seus. Não ser reconhecido por quem você ama e tem a forte conexão da confiança. É como se estivesse só e abandonado, envergonhado por não ser visto.
Jó parecia estar se sentindo dessa forma. Ele não hesitava em dizer que todos ao seu redor estavam tratando de um desconhecido, de alguém que não é mais o mesmo e, provavelmente, não será mais o que foi (Jo.19.13-19).
As pessoas pareciam começar a faltar e a esquecer dele. Ninguém estava por perto para reconhecê-lo e acompanha-lo na sua luta, como fizeram nos momentos de sua bonança. O ninho estava vazio (Jó 19.14).
O respeito daqueles que lhe serviam já não existia mais e ele mesmo estava se desconhecendo, em meio às tantas situações estranhas e novas para aquele que tinha tudo e passou a não ter e também não ser (Jó 19.15-16).
A sua mulher não estava lhe tolerando e seus irmãos o estavam repugnando. A família estava desprezando o doente, sem compaixão, então, ele não sentia ser parte de nada, pois, sem o suporte da família, tudo se foi (Jó 19.17).
Ele estava se sentindo uma abominação, para a qual todos os mais íntimos estavam de costas e sem lhe dar a menor atenção. Sua posição era de desprezado e jogado, para que chegasse logo seu fim (Jó 19.19).
Essa foi a descrição de quem viu cada pessoa ir embora e deixa-lo ao relento das suas emoções, sem ninguém para tocá-lo. Ele olhou para as costas de todos e viu a distância aumentando e se tornando cada vez mais fria.
Como esse homem ainda tinha forças pra reagir e falar o que sentia, com essa riqueza de detalhes, só Deus sabe. Acredito que tudo estava proposto para ficar registrado em um livro tão inspirador, com seu nome.
Completamente autêntica, como sua honestidade emocional, foi a sua visão ampla e cheia de detalhes. Ele olhou para todos que estavam ao redor e não viu apoio, não sobrando ninguém, imagino, para ser citado como presente.
Todos foram categoricamente listados, com as ausências específicas de cada um. Isso nos mostra o quanto ele esperava coisas diferentes, de pessoas diferentes. Cada qual parecia ter um papel muito bem definido.
E a única característica comum a todos, que ele mesmo chamou de íntimos, foi o fato de estarem de costas. Sem olhar diretamente pra ele, sem se direcionar ao seu encontro, mas, indo embora para o lado oposto.
Eu olho as fotografias que ficaram e me fazem lembrar com tantas saudades de um tempo em que eu pensei que tinha tudo e todos. Fui mergulhando em densa nuvem de memória que me fazia querer voltar atrás.
Não podia me mover, pois os pés haviam sido plantados em outro terreno e continuei pensando. Pensei mais a respeito de quem fazia parte daquelas imagens e não lembrei com detalhes, a não ser os que foram bons.
Tentei, mas não consegui esconder as lágrimas, pois eu não me sentia hábil para trazer à vida, o que acontecera com minhas pessoas amadas que, simplesmente, haviam desaparecido. Elas foram embora para não voltar.
Olhei para as costas do tempo e ele não quis virar e me contar o que tinha para dizer, mas, eu sabia que havia alguma coisa a ser dita. Aos poucos, essas imagens foram também sumindo e dando lugar ao desespero.
Não sabia mais como recorrer ao velho amigo, que chamei de destino. Pedi pra mudar tudo, pois, eu havia sido levado por ventos estranhos e que não me deixavam em paz com minha história. Ela não fazia mais sentido.
Pensei que eu poderia dar um pulo para o alto e ver por cima de tudo aquilo, mas era impossível enxergar o que ainda não estava na minha frente. Então, entendi que eu só via uma bagagem chamada ansiedade.
Nunca vi tanto sufoco, mas, tentei respirar e não consegui fazê-lo do mesmo jeito, pois, até isso havia mudado. Sei que fiz o meu melhor, mas a tristeza embaçava minha visão e me deixava totalmente sem rumo e esperança.
Nunca mais quero passar por aqui, eu pensei. Foi então, quando corri e me uni ao primeiro rastro de brisa que achei. Nele, estava um cheiro que me trazia boas recordações e me chamavam a atenção para tudo de bom que vivi.
Eu havia conseguido chegar até ali, sem saber muito bem como, mas, eu sabia que muitos que amei não estariam por perto. A tristeza quis voltar e se acomodar de uma forma diferente e parecia com uma depressão.
Não era o fim. Eu sabia disso porque ouvi muitas vezes, durante esse tempo inteiro, uma voz que me dizia para não parar. Segui em frente e vi uma luz muito fraca, mas, as pessoas estavam de costas pra mim, novamente.
Foi então que me dei conta de que eu também estava de costas para elas. Alguma sensação me deixou em paz, pois, entendi o que aconteceu com cada uma delas, desde que passei por suas vidas. Eu os reconheci.
Acredito que o que nos faz sentir vivos é o conhecimento de nós mesmos, do próximo e, acima de tudo, de Deus. Quando conhecemos, não vemos de forma desarrumada, mas, conseguimos organizar e nos organizar.
Um dos pontos mais altos do conhecimento está em saber a nossa essência, história e origem, já que, dessas, retiramos muito do nosso sentido. Achamos graça do que vemos, pois, nossa visão sempre acaba mudando.
Somos formados de tamanhos. Pois, temos partículas que nem enxergamos, mas, sabemos que existem. Elas foram montadas, peça por peça, para que tomasse a forma na qual estamos mais acostumados a ver.
Fomos construídos em formatos tão específicos e, em nós, também vemos essa dinâmica diferenciada fazendo seus papeis de forma particular. Cada coisinha está conectada e possui fluxos que não cessam.
Assim é o todo. É tudo que não paramos para perceber, mas, está presente em nossas vidas. Temos muito mais em aspectos conectados do que sem. E isso faz de nós um material dependente e cheio de necessidades.
Toda a criação, a natureza e tudo mais, a que fazemos parte, nos envolve em um ciclo de troca sem fim. Não sabemos quando é o começo, nem quando será o fim, mas, sabemos que nenhum deles, na verdade, existe.
No ápice da sua inspiração poética e profética, Jó disse que sabia que estava vivo, aquele que lhe redimiria, lhe salvaria de si mesmo e daquela solidão. Ele acreditou que aquilo seria passageiro, pois, ainda tinha alguém (Jó 19.25).
Ele tinha uma pessoa que não estava de costas e que, por mais que tivesse que ouvir suas reclamações, estaria o tempo todo ao seu lado, sem descanso. Ninguém poderia ter lhe visto tão de frente e lhe conhecido tão de perto.
Ele é o começo e o fim, e, não tem começo, nem fim. Está conosco em todo o tempo e nos conhece profundamente, sem nunca desistir de nós, nem, de forma alguma, nos dar as costas ou lançar fora (Apocalipse 1.18).
Nunca veremos algo igual, nem provaremos, nem tocaremos, muito menos possuiremos tamanho conhecimento que o substitua. Ao qual, Jó lançou todo o resto de suas forças e, finalmente, entendeu que não adiantava resistir.
Esse é o conhecimento perfeito que nos une e penetra onde ninguém mais consegue. A melodia que nunca cessa e separa as essências da alma e do espírito, nos deixando completamente vulneráveis ao som da sua voz.