Jó | Meu conteúdo

A alma agitada de Zofar impediu que ele ficasse calado, assim foi dito por ele mesmo. Como se estivesse sendo agredido pelo amigo Jó, ele não conseguiu controlar as faculdades da emoção e da razão, deixando fluir em respostas.

Algumas agitações podem ser boas para que haja uma explosão de energia de dentro pra fora, mas, outras manifestações dessa inquietação podem adoecer pessoas e, principalmente, relacionamentos desgastados.

São desses tipos de situações que saem as palavras que violentam tanto quanto agressões físicas e outros tipos de abusos. As piores mágoas e ressentimentos surgem desses eventos tão corriqueiros pra nós.

Parece que não existe um critério equilibrado para a expressão dessas agitações e acabam tomando posse de criaturas racionais como nós. Perdemos totalmente a capacidade de refletir para darmos vazão às reações.

E o pior de tudo é que, na maioria das vezes, não conseguimos quebrar esse ciclo e nos tornamos multiplicadores de expressões agressivas e destrutivas. Recebemos tal tipo de comportamento e passamos adiante.

Como em uma rede de interações, as pessoas que mais amamos acabam sendo vítimas dessa forma de pensar, sentir, falar e agir. É como se fossemos enchendo nosso reservatório de coisas negativas, até não suportar mais.

E, conforme entendo, esse lugarzinho, que é capaz de guardar coisas boas e ruins, é o coração. Nele, fazemos ninhos de muitas diversidades de sentimentos e dele flui o que nem sequer sabíamos que ali continha.

Fisicamente ele bombeia vida em nosso corpo, emocionalmente ele possui um acúmulo de experiências e consegue guardar e compartilhar muito do que aprendemos. Espiritualmente ele também tem sua função (João 7.38).

Então, se tivermos que nos esforçar para proteger algo, que seja o nosso coração. Façamos isso para que não seja um poço sem fundo, nem, muito menos, um pequeno compartimento que pouco suporta (Provérbios 4.23).

Por isso, nossas emoções podem dizer muito do que está alimentando essa parte tão fundamental da nossa existência e da qualidade dos nossos relacionamentos. Elas mostram, de alguma forma, o que está lá dentro.

E os nossos comportamentos, que estão regados de palavras, podem ser os melhores termômetros para entender a temperatura do nosso coração e o volume de conteúdo mantido fechado, pelo tempo que for.

Jo.20.2 - Mt.12.34.png

O conteúdo desse lugarzinho secreto sai de muitas maneiras. Compartilhamos o que nele está, das mais variadas maneiras, seja perceptível ou não. Já que, nem sempre, temos consciência dos seus efeitos.

Somos donos do que está lá dentro, pois, facilmente espalhamos tudo ou parte. Somos responsáveis pelo que mantemos, pelo que deixamos ser liberado, para quem, como também, a forma que isso acontece.

Geralmente, escolhemos as pessoas mais próximas para descarregar essa arma, levando aos piores modos de conflito. Com elas, possuímos histórias não resolvidas, que acabam aparecendo de forma inesperada.

E, então, o coração resolve expor tudo que está guardado, há tempo, e não tivemos coragem de enfrentar de forma saudável, no momento oportuno. Preferimos deixar o tempo cuidar do que ele não tem a função de tocar.

Uma vez acionadas essas memórias, a boca começa a fazer sua função de materializá-las, muitas vezes, de forma inadequada. As palavras se tornam uma munição de artilharia pesada, as quais temos passe livre para usar.

Parece até que a nossa capacidade de armazenar tantas decepções é limitada. Percebo que chega até determinado ponto em que externamos uma mistura do que estava guardado, das formas mais confusas possíveis.

Sendo assim, a nossa comunicação pode se tornar sem sentido para quem ouve, já que o jeito como externamos angústias, enterradas pelo silêncio, nos faz parecer tolos ou cheios de ressentimentos inconscientes e irracionais.

É como se o recipiente cardíaco estivesse em ponto de ebulição, com tamanha quantidade de elementos tóxicos, que não exala um bom perfume. E isso costuma explodir pela boca, com uma fúria descontrolada.

Essa é uma forma mecânica comum a todos nós e que distorce muito da realidade positivista das coisas, pois, tudo parece se tornar motivo de raiva e tristeza. Essas duas, acabam oscilando despreocupadamente.

Os relacionamentos presentes são expostos às imagens do passado e acabam tendo que lidar com o que não entendem. Até que isso se torna um padrão de comportamento e desgaste para pessoas íntimas.

Em resumo, muitos conflitos armazenados aparecem em momentos posteriores, sem nenhum critério de controle. E o pior é que, como não nos conscientizamos do que está sendo dito, isso tende a se repetir.

Jo.20.2 - Pensei.png

Eu pensei que poderia guardar as ofensas em algum lugar escondido para que ninguém mais visse. Mas, isso foi uma tremenda ilusão. Quando eu pensava que havia esquecido, ela aparecia subitamente e eu nem notava.

Passei de vítima para criador de novas vítimas. Fiz exatamente o que haviam feito comigo, porém, do meu jeito. Percebi que minhas palavras só mascaravam o que realmente me incomodava e enchia ainda mais o meu coração.

Falei e fiz muitas coisas que me fizeram pensar que eu tinha razão e até me afastei de pessoas porque pensei que o problema era delas, mas, na verdade, eu estava carregando comigo, de um relacionamento para outro.

Até que resolvi desejar a minha paz, ao invés querer fazer justiça pessoal. Entendi, finalmente, que eu sou o maior beneficiado por perdoar os que me ofenderam, quantas vezes precisar fazê-lo (Mateus 18.21-22).

Encontrei uma maneira de parar de repetir o que havia acontecido comigo, pois, eu estava me tornando submisso ao passado e servo dos desgostos. Tal maneira não vem de mim mesmo, mas, consegui exercitar bastante.

Se eu consegui, qualquer um consegue. Bastou que eu me disponibilizasse a entender que havia me tornado um multiplicador de mágoas, então, quem me decepcionava também poderia estar fazendo o mesmo.

Foi mudando essa forma de pensar que alcancei um conhecimento maravilhoso demais para mim, já que, nas primeiras vezes, foi quase impossível coloca-lo em prática. Mas, eu não desisti até que se tornasse espontâneo.

Muitas vezes, eu parecia ter esquecido desse rico ensinamento e acabava guardando no coração o que não lhe fazia bem. Outras vezes, eu pensei que seria insuportável perdoar, mas, pior estava sendo não fazê-lo.

Enfim, quando eu perdoo, também defino o meu conteúdo e das minhas relações, não o de outras pessoas. O perdão é um facilitador de interações, pois, sem a carga contrária, que enche o coração, todo movimento fica mais fácil.

O meu coração está mais apto a ser preenchido por novos conteúdos, de uma forma mais leve. Toda essa experiência acabou trazendo uma consequência renovadora para outro órgão que pensava estar limpando meu ser: a boca.

Esta última, que antes era serva das substâncias tóxicas acumuladas, passou a ser mais saudável e propagadora de saúde. Ela conseguiu ser menos inconsequente e agitada, gerando vida ao invés de destruição.