Jó | Ouvido acolhedor

Ouvir e apenas ouvir é um talento precioso e de poucos. Já me decepcionei muito ao esperar que algumas pessoas o fizessem. Porém, sempre aparecia algo mais importante ao redor para evitar que me prestassem esse tipo de serviço.

A ansiedade de alguns não permite que simplesmente ouçam, sem emitir nenhum tipo de som, sem exibir suas próprias preocupações ou expressar suas críticas sobre o que concordam ou não. São especialistas em falar.

Não estou dizendo que precisamos conversar com um ser inanimado, mas, que precisamos receber um dos maiores acolhimentos existentes. O ouvido de alguém pode ser um dos os melhores conselheiros de todos os tempos.

A face da audição é agradável e os seus abraços são envolventes. Talvez não exista compreensão mais simples do que escutar o que alguém tem para dizer, mesmo que isso exija tempo, esforço e, principalmente, paciência.

Há quem diga que o ato de falar cura as mais profundas feridas. Mas, sem a reciprocidade da atenção, não creio que tenha o mesmo efeito, pois, seria o mesmo que falar sozinho, sem que haja conexão de almas.

E uma das mais belas formas de falar, na certeza de ter alguém para ouvir, é a oração. Através dela, nos conectamos com o criador desse mecanismo único de transmissão de pensamentos e emoções, de forma plena.

A oração é o fundamento da mais prioritária intimidade que o ser humano poderia buscar. Seu alcance vai do natural para o sobrenatural, levando ao mais perfeito sentido existente de relação, em qualquer tempo, lugar e assunto.

Não há restrições para esse tipo de conversa, nem a menor possibilidade de não ser ouvido. Isso é certo, dinâmico e real, mesmo que a total compreensão do seu funcionamento esteja além da limitada percepção humana.

Se acreditamos que somos ouvidos por Deus, então, não entendo como não aprendemos a ceder um pouco dos nossos ouvidos também. Ele nos faz sentir importantes, pelo simples fato de termos a sua atenção (Salmos 77.1).

Então, se podemos fazer algo magnífico e repleto de nuances divinas, deveríamos dar mais atenção a quem precisa. Poderíamos focar mais nessa atividade simples e sem preço, que fortalece pessoas e relações.

Deveríamos ser mais atentos ao que podemos fazer, através de um fenômeno tão natural, quanto espiritual, como esse. Seríamos mais acolhedores se pudéssemos parar tudo, inclusive o tempo, apenas para ouvir.

jo.21.2 - um gesto

Sensível como o choro, prudente como o andar, forte como o falar, estável como o dormir, gracioso como o despertar, profundo como o olhar e livre como o pensar. Assim seria rapidamente descrito o gesto de escutar.

As lágrimas genuínas de um choro podem expelir muito do que está na alma. Elas podem ser mais que palavras se ouvirmos alguém e o que está sendo dito, com todo o zelo. É como uma melodia que nos envolve em lembranças.

Andamos em direção ou nos afastamos das bocas que nos falam, mas, em cada uma dessas situações, podemos ter a perspicácia de escolher nos aproximar. É quando podemos ser sensatos para dar ou não os ouvidos.

As palavras deveriam contar com a honestidade de uma boa escuta. Embora, nem sempre consigamos explorar, da melhor forma, as conversas mais difíceis. Se apenas ouvirmos, uma porta de desentendimento se fecha.

Ficamos sonolentos ao ouvir o que já sabemos e ao prestar atenção ao que foi repetido várias vezes. Esquecemos que também vamos precisar repetir histórias e, quem dera, pudéssemos ter alguém ouvindo acordado.

Como é bom abrir os olhos pela manhã e sentir que se passou uma noite de sono profundo. Assim, também podemos despertar para um novo dia, ao aprender com a audição. Um belo e novo raiar podem estar no ouvir.

Ouvir alguém nos dá acesso a entrar na mente e ver com clareza os pensamentos mais ocultos. O olhar microscópico da audição pode ser bastante esclarecedor e ser capaz de iluminar imaginações distorcidas.

Dar-se a chance de ter melhores pensamentos a respeito de alguém, significa que foi exercido o privilégio de ouvir com atenção. Teremos mais liberdade de decisão e melhores escolhas serão tomadas, se antes, ouvirmos bem.

São gestos simples e naturais, como esses aqui descritos, que definem o poder que temos sobre as pessoas ao nosso redor. Quando exercitamos a gentil, sábia e delicada ação de ouvir, parece que todo o resto segue atrás.

É como se tudo mais dependesse disso, de muito esforço para uns e pouco para outros, mas, dentro das possibilidades de cada pessoa. Prestar atenção ao que alguém tem a dizer pode ser muito libertador, para ambos.

É uma das maiores simbologias que representam o quanto estamos prontos para a conexão com a natureza, com os nossos próximos e com Deus. Sem ouvir o que tudo e todos têm a nos dizer, ficamos menos perceptivos.

jo.21.2 - lu.8.8

Se podemos, então temos responsabilidades sobre isso. O ato de ouvir é uma delas, com a qual nos deparamos todos os dias, mas, nem sempre temos disposição de usá-la em benefício de outros, nem mesmo nosso.

O fato de Jesus ter curado surdos não foi por acaso, assim como tudo mais que ele fez. As pessoas estavam num processo automático religioso, sem percepção de relacionamento com o que estavam fazendo.

Fomos chamados a atenção para ouvir o que foi ensinado por ele, pois o estado homeostático, em que se encontram as pessoas automáticas, é muito perigoso, podendo deixar vidas à disposição dos ventos sem direção.

E essas direções precisam mudar, precisam estar diferentes do que eram ontem e preparadas para novidades amanhã. Se isso não acontece, não somos capazes de lidar com as tantas volatilidades dos significados.

Tudo ao nosso redor está em constante mudança e fazemos muito esforço para mantermos os estágios e ciclos da vida sem nenhum tipo de violação. Mas, é impossível não termos que nos deparar com o imprevisível e incontrolável.

Por isso, muitas são as faces das mudanças e não sabemos o que vai acontecer quando nosso planeta estiver novamente com a face que nos acolhe diante do sol ou da lua. Ele vai girar e não temos o que fazer para evitar.

As mudanças são reais e necessárias para termos o privilégio de aproveitarmos o melhor, a nossa disposição, naquele momento. Principalmente, quando falamos de pessoas, pois, elas podem estar em período de variação.

Se dermos um pouco de prioridade para aqueles que nos acompanham no rumo corrente, então, entenderemos que precisamos ouvir e ser ouvidos. Mesmo que isso represente algo que mude nossa maneira de pensar, sentir e agir.

Portanto, ouvir pode significar a observação desses estágios. Acompanhar as mudanças de alguém, sem parar e ouvir, é uma tarefa limitada e com facilidade para o fracasso. Poucos conseguem tamanha intimidade e união.

E não conheço muitos artifícios que unam mais as pessoas do que o ato de ouvir. Não são muitas as formas que dão início aos relacionamentos vitalícios e, menos ainda, as que conseguem mantê-los, como com essa atitude.

Então, quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Preste atenção ao que Deus tem para falar e se utilize disso para compreender pessoas, mudar significados e se preparar para o próximo ciclo. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.