Jó citou que saberia exatamente o que dizer, se tivesse direito a uma audiência com Deus. Ele deve ter passado horas ensaiando seus argumentos e tudo mais que o justificassem e o tirassem daquele estado (Jó 23.4).
Mas, para que isso acontecesse, ele iria precisar ter um encontro com seu criador e falar sobre tudo que poderia ser usado em seu favor. Talvez quisesse expressar sua indignação com tanto sofrimento imerecido (Jó 23.7-12).
Ele devia estar se sentindo cansado de tantas frustrações. Uma vez que estas nos fazem repensar onde estamos nos apoiando, que muletas estamos usando ao invés de andarmos, corrermos e até voarmos para lugares altos.
Elas nos despertam de uma forma dolorosa de um sepulcro inconsciente de esperanças irreais. Nos dá uma oportunidade, mesmo que através do choque, de podermos rever nossas prioridades e focar na fonte do que precisamos.
Naquele momento de dor, os amigos de Jó pareciam ser um remédio que ele estava acostumado a tomar, mas que não estava tendo o efeito desejado. Imagino que eles sempre estiveram juntos, em outros tipos de situações.
Vivendo perdas tão dolorosas, ele conseguiu testar os limites da capacidade daquelas pessoas e concluiu que não era possível esperar mais o apoio que precisava. Devia estar se sentindo abatido pelo desapontamento.
Como uma criança que testa seus pais e tenta descobrir até onde podem ir, Jó estava decepcionado, mas, ainda disposto a mudar de atitude. Ele parecia ter uma disposição de questionar seu sofrimento, em um outro tipo de encontro.
Essa mudança deve ter acontecido dentro daquela conversa e, em sua própria mente, houve o ajuste de foco na busca pela compreensão divina e não mais pela humana. Era como se ele estivesse tentando usar sua última chance.
O que pode significar que ainda havia esperança para aquele homem que, mesmo se sentindo solitário e pressionado pela falta de apoio, ainda pensava que poderia encontrar as respostas de outra maneira, em outro alguém.
A força dele era realmente impressionante, pois, no meio de tantas tentativas de aproximação e aceitação frustradas, ele via uma saída. Uma forma de se recuperar, sem desistência, como chegou a falar algumas vezes.
O fato era que ele tinha esperança de sair daquele estado e de buscar sua recuperação. No seu coração parecia ainda estar pulsando vida e a necessidade de reanimação e reconstrução. Ele tinha o que precisava. Tinha fé.
A fadiga é uma das piores coisas que o ser humano pode sentir nas suas três essências, no corpo, na alma e no espírito. E o Senhor nos orientou que temos a quem recorrer quando isso acontece, para que haja alívio (Mateus 11.28).
O corpo cansado pode ser sinal de muitas coisas, mas que, na maioria das vezes, pode ser facilmente resolvido com o repouso. Uma noite de sono pode ser suficiente para restaurar os excessos que ele tenha sofrido.
A alma cansada precisa de mais cuidado, pois, nem sempre o descanso noturno é capaz de amenizar as preocupações. A mente dá sinais de que precisa de descanso e precisamos estar atentos a estes, para não sobrecarregar.
O espírito abatido se torna insuportável para o homem. Não há quem possa reverter os danos do cansaço espiritual, senão o próprio criador dessas essências. Ninguém melhor para fazer algo a respeito (Provérbios 18.14).
Não quero dar explicações sobre cada tipo de cansaço e o que fazer, mas, preciso dizer que Jó devia estar sentindo esse peso em todo o seu ser. Imagino que seu esgotamento estava tão extremo, ao ponto de faltarem soluções.
A única esperança que lhe restava era se encontrar com seu criador para, em uma audiência, tentar se defender e provar que merecia descanso. Essa esperança estava avançando na conversa, cada vez com mais força.
Como se tivesse desistido de falar o que sentia para seus amigos, aquele homem estava tentando se desligar da falsa esperança de convencê-los de alguma coisa. Embora, ele não tenha se calado em momento algum.
Isso é muito interessante, pois, mesmo sabendo que daquela troca de informações não iria sair nada de harmonioso, ele parecia não desistir daquelas pessoas. Ele não os mandava embora, nem tentava se afastar.
Jó não desistiu dos seus amigos, mesmo dizendo pra eles que sua expectativa já estava frustrada e que buscaria socorro de outra maneira. Deus seria seu ouvinte, já que eles não estavam ajudando em nada.
Ele parecia saber que não encontraria repouso naquela conversa, mas, discutiu abertamente até o fim, sem mostrar sinais de afastamento. Foi persistente na sua mensagem, mesmo não ouvindo palavras de ânimo.
Seu cansaço poderia estar surgindo a partir do esforço de tentar convencer aquelas pessoas do que se passava na sua cabeça e tentar usufruir de alguma compreensão, mínima que fosse. Mesmo assim, ele continuou na luta.
Um dos piores cansaços que sentimos na vida é resultado de tentativas frustradas de convencimento. Forçar que a nossa própria verdade seja a razão de outras pessoas, que, quase sempre, pensam totalmente diferente.
Isso esgota ao ponto de gerar picos de raiva que alterna com a triste sensação de incompreensão. Não adianta ir além do que cada um é capaz de oferecer e isso não diminui ninguém, pois, também temos limitações.
Se pudéssemos entender tudo e a visão de todo mundo, não haveria muito o que comunicar ou compartilhar. As discussões seriam enfadonhas, sem a geração de novas ideias e formas de pensamento e experiência.
Felizmente e também infelizmente, podemos contar com a visão particular de cada pessoa. Feliz para quem consegue perceber a oportunidade de crescimento nisso, mas, pode ser um transtorno quando não sabemos lidar.
E querer injetar nossa própria verdade e crenças em outras pessoas pode ser muito exaustivo, tanto pra nós mesmos, quanto para o outro. O que acaba gerando situações repletas de oportunidades para separações.
Mesmo que seja uma situação tão visível como a de Jó, não temos como prever a reação de ninguém. Cada uma delas tem sua própria bagagem e pode ser que nem saiba lidar com o que estamos vivendo, pensando ou falando.
Não importa que idade temos, para onde vamos e com quem temos a oportunidade de nos relacionar, sempre haverá quem discorde de nós, ou, até mesmo, não nos entenda. Isso é uma realidade que precisamos lidar.
Acredito que esse é um dos grandes ensinamentos do livro de Jó. É possível ver uma pessoa, totalmente arrasada pelas perdas e incompreendida por quem mais amava, não desistir de continuar falando com seus amigos.
Mesmo que a sua esperança estivesse sendo direcionada para fora daquelas pessoas, ele continuou. E isso demonstra a preocupação daquele homem em explorar alternativas para não perder seus amigos preciosos.
Também elabora em nossa mente o valor da amizade, mesmo que esta não esteja sendo a melhor companhia quando mais precisamos. É forte pensar assim e também não é uma regra seguir dessa forma, mas, foi o que ele fez.
Então, que possamos ter a sensibilidade de perceber um exemplo tão notável. Que possamos continuar e não desistir, mesmo em situações extremas. Que possamos entender que a vida quase nunca é feita de acordos.