Jó | Comparação inútil

Jó continuou tentando se justificar através de comparações. Desta vez, ele listou inúmeros feitos de quem merecia um sofrimento como o seu, mas, que estaria isento de qualquer tipo de julgamento divino.

Dessa forma, ele só estava se igualando aos seus amigos. Estava tendo um comportamento parecido com as pessoas a quem ele também direcionava suas críticas, por tamanha insensibilidade e incompreensão.

Em momentos de perda, olhamos para fora de nós mesmos, para outros, e nos impomos como não merecedores daquele sofrimento, por acharmos que algumas pessoas merecem passar por algo igual ou pior.

É possível que brote um sentimento de inveja daqueles a quem julgamos estar bem e “não deveriam”. Colocamo-nos em um papel perigoso e que não ajuda em nada no processo de cura, pelo contrário, piora bastante.

Quando sentimos inveja de alguém, mais parece que queremos destruir o que ela tem, do que termos o mesmo. E, literalmente, a destruição não é algo bom e não deve ser alimentada em nossos relacionamentos.

Esse tipo de pensamento ajuda a corroer ainda mais as nossas emoções, pois, não temos o poder de controlar tudo e todos, nem mesmo precisamos carregar o peso do papel de juiz das situações alheias.

Seria melhor que nunca desejássemos que ninguém estivesse sofrendo por nós. Mas, com o sentimento de inveja, queremos que alguém esteja no nosso lugar, por substituição. E isso é cruel até conosco.

O fato é que todo mundo sofre, seja merecedor ou não, então, não nos cabe rotular ninguém dessa forma usando nosso próprio senso de juízo. Não adianta ver alguém sofrer para nos sentirmos mais aliviados.

Muitas vezes tentamos nos desculpar através do prejuízo de outros. Optamos por correr em um caminho pedregoso e descalços na busca de paz para uma culpa que atribuímos a nós mesmos. Lutamos por uma redenção.

Se Jó se comparava com as pessoas que são injustas, citando seus comportamentos, ao ponto de dizer que elas são merecedoras de punição e ele não, então, talvez ele estivesse tentando achar culpa em sim mesmo.

Embora Jó estivesse inconformado com o bem-estar de quem maltrata o necessitado, não contribuía em nada se comparar a essas pessoas de forma superior. Ele parecia estar atirando a primeira pedra (Jó 24.3).

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Saber que não somos capazes de fazer determinadas maldades é muito bom, mas, nos colocar como juízes daqueles que o fazem não é um papel real. Quem nunca errou ou fez alguma injustiça, que atire a primeira pedra.

A comparação faz julgamentos e nos coloca em uma posição que não precisamos estar, que não é nossa. Ficamos totalmente dominados pelos superlativos da vida, que nos tornam menos ou mais que alguém.

Além de olhar para fora de nós mesmos, em busca de quem mereça estar em nosso lugar, também olhamos para dentro, com olhos bons e maus. Nos tornamos juízes de nós mesmos e daqueles que nos cercam.

Isso é bem cansativo, pois demanda muito e nada alimenta. É como se estivéssemos cavando cada vez mais fundo para achar alguma coisa que nos justifique através da condenação de outros, ou o contrário.

Por outro lado, a auto avaliação é positiva, mas não quando mensurada em relação a alguém. Só vale a pena quando nos comparamos conosco e entendemos o que pode ser melhorado ou já foi. Isso promove crescimento.

Usar um espelho mental para se enxergar como realmente é e usar as dificuldades para se desafiar, também pode ser um exercício saudável. Desde que não haja os atropelos da autocomiseração, nem da supervalorização.

Tudo precisa ser mantido em equilíbrio consciente, assim como a imagem que temos de nós mesmos. Se isso começa a tirar nossa paz, alguma coisa pode estar sendo mal dosada e precisa ser reavaliada com humildade.

E é fato que a fina camada que separa a humildade do orgulho precisa estar visível para que não aconteçam falsas intepretações. Só que, precisamos estar bem dispostos a não olhar o sucesso ou o fracasso alheio.

O que nos impede de estarmos satisfeitos com o que vemos nas demais pessoas é a falta de uma consciência de nós mesmos e de Deus. Se tivermos essas duas oportunidades de visão, seremos nem menos, nem mais.

As percepções se tornam mais simples e claras através desse exercício. Isso exige de nós um certo esforço e disponibilidade para mudanças, principalmente de visão e de mente, pois, passamos a ser mais aptos ao convívio.

Portanto, comparar-se a alguém pode trazer prejuízos de relacionamentos, em todos os prazos. E é bem possível que, se tivermos uma visão adequada de nós mesmos, tenhamos menos necessidade de atirar a primeira pedra.

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É possível que alguém não entenda porque um homem justo como Jó, dito pelo próprio Deus, cometeu um erro desses, de julgar pessoas, ao ponto de aponta-las como merecedoras de juízo no seu lugar (Ezequiel 14.14).

O fato é que pessoas erram e Jó não era perfeito. É preciso ler o seu livro até o final para entender que havia o que aprender e o propósito de todo aquele sofrimento era maior do que uma simples visão humana de justiça.

A forma de enxergar de Deus é muito diferente da nossa e nem tudo será plenamente compreendido pela capacidade limitada do homem. Alguns assuntos entram na esfera da fé e não no entendimento lógico.

Um ponto que acho importantíssimo dar atenção é que Jó tinha papeis, como qualquer um de nós. Ele tinha sido pai, era marido, amigo e podia ter mais alguns outros, que podiam ser até parecidos com os que temos hoje em dia.

Em qualquer um que estivesse exercendo, imagino que não fazia parte do seu acervo de responsabilidades decidir quem mereceria sofrer mais do que ele. Tal papel comparativo é muito complicado, pois exige demais.

Ao mesmo tempo que demanda muita energia, essas comparações são muito fáceis de fazer, pois, parecem que estão no nosso comportamento automático. Na verdade, toda a sua dificuldade está concentrada nas consequências.

Somos seres que fazem analogias o tempo inteiro e isso é uma coisa muito boa, pois, ajuda nas compreensões diversas que a vida nos desafia. Porém, o perigo está na comparação qualitativa pessoal. Isso é arriscado.

O que podemos fazer e outros não podem, ou vice-versa. O que não conseguimos ser e outros conseguem, ou vice-versa. O que temos ou não e outros parecem ter ou não ter. E por aí vai a lista de opções.

Todos esses frutos da imaginação geram muita confusão e desconforto. Despertam em nós um papel muito desprovido de aceitação e nos coloca em um lugar ao qual não pertencemos. Nos descaracteriza como humanos.

Não somos definidos pelo que outras pessoas são, fazem ou têm. Cada um teve oportunidades diferentes na vida, inclusive de dor e sofrimento. Talvez Jó nem imaginasse quantas pessoas seriam influenciadas pela sua história.

Somos igualmente aceitos, diferentes no pensar e complementares no agir. Fazemos parte de um plano maior e que nos leva em direção ao conhecimento pleno de quem nos criou. Somos quem somos (Romanos 12.5).