Jó | Passado e presente

Jó terminou o seu discurso, navegando entre o passado e o presente, em busca de feitos que o justificassem. Em sua mente, ele trouxe à vida formas e gestos que o colocavam em uma posição de inocente (Jó 29-31).

Lembrando dos dias do seu vigor, ele desencadeou o que foi e não era mais. Relatou, de forma poética, aquilo que simbolizava quem ele era, através de como agia com as pessoas que tinham necessidades (Jó 29.4).

Ele estava com saudades de um tempo bom, onde tinha os seus filhos e possuía coisas que agora não tinha mais. Depois de tudo que havia acontecido, nada seria tão natural quanto ter saudades de momentos melhores.

Seus relacionamentos haviam se deteriorado, todos juntos. E teria ficado a sensação de que não poderia fazer nada para trazê-los de volta, a não ser, em sua imaginação, que divagava, para frente e para trás, em busca de algo.

O passado estava menosprezando o presente e ditando o que não existia. Cruelmente ele estampava, nos dias atuais, a sua falta e não negociava expectativas de retorno. Jó se sentia enredado pelas suas lembranças.

Tudo era trazido à mente de forma dolorosa e capaz de enfraquecer seus ossos e desfigurar a sua pele. Sua proteção e sua estrutura pareciam estar abaladas pela dor da solidão, da rejeição e do abandono (Jó 30.30).

Este homem estava realmente muito triste e cheio de recordações que lhe faziam ir ao estado anterior, mas, parece que isso não estava lhe fazendo bem porque apenas confirmava que tudo aquilo não estava mais ali.

Foram-se as posses, que lhe davam a sensação de ser capaz. Que pareciam lhe colocar numa posição superior, de quem podia fazer algo por alguém. Contudo, ele se sentia miserável como os que ajudava (Jó 29.11-16).

Seus filhos já não existiam. E eles pareciam ter sido companheiros de seu pai, rodeando-o em casa e em jantares jubilosos. Aquelas companhias tinham ido embora, sem se despedir e sem deixar um sinal de adeus.

Os amigos de tanto apreço pareciam desconhecidos que lhe colocavam contra a força do julgamento. Quem eram aquelas pessoas estava mais obscuro do que nunca, já que não esperaria tamanha insensatez vinda delas.

Tudo lhe conduzia na direção do lugar, onde ele conseguia lembrar quem era, o que fazia e com quem estava. As lembranças lhe faziam recordar uma vida que já não existia. Jó parecia desfocado da esperança do futuro.

Jo.29.2 - Fp.3.13

Algumas coisas realmente precisam ficar para trás, no lugar que estiveram. E elas não precisam sair daquela posição, principalmente, se for para drenar a nossa vitalidade e o desejo por um futuro diferente e melhor.

São pessoas, lugares, comportamentos e inúmeras outras que nos impedem de ver com os olhos da esperança. Obviamente teremos saudades de muitas delas, o que é totalmente normal e repleto de emoções variadas.

Os filhos que aquele homem havia perdido, por exemplo, é algo muito difícil de deixar para trás, nem acho que seja possível. Mas, o que realmente importa é o que fazemos com nossas lembranças, quando elas aparecem.

Sentir saudades é algo que pode ser muito bom ou extremamente doloroso, ainda mais quando se trata da perda de pessoas amadas. Porém, não é isso que quero trazer à tona, nem delimitar nosso senso de falta.

O que o apóstolo nos fala nessa passagem, remete a algumas recordações que devemos abandonar para seguir em frente. Já que somos capazes de ficarmos aprisionados a coisas antigas, de forma paralisante.

Olhar para cada perspectiva dessa ótica temporal é algo maravilhoso demais, pois, em nossa poderosa imaginação, podemos estar em qualquer lugar que quisermos, com quem e como desejarmos. É realmente fantástico.

Mas, quando nos definimos por atitudes do passado e nos identificamos com o que não podemos fazer mais, isso entorpece as emoções de uma aguçada percepção de fim. Praticamente paramos de perceber o futuro.

Isso é algo nocivo e nos impede de termos esperanças de ver dias diferentes e também de perceber o quanto tudo na vida passa. E sua velocidade é tão alta, que nem sequer temos como reviver todos os detalhes integralmente.

Acredito que se fosse viável voltarmos no tempo e refazer algumas coisas, seria possível que as vivêssemos em outro lugar, com outras pessoas, porém, da mesma forma. Temos que aprender com o que passou.

Sem a condição saudável da mente para deixar o que tiver que ficar no passado, para fortalecer aquilo que estamos vivendo no presente e para termos esperança de um futuro promissor, vamos perder muito da vida.

Podemos escolher estar presos em um tempo que não volta mais ou livres em outro que existe nas nossas mais profundas aspirações de esperança. É nossa escolha e podemos fazer isso no agora que já temos.

Jo.29.2 - Futuro

Longe de mim diminuir a perda que Jó estava vivendo. Devia ser algo de tanta potência, ao ponto de adoecer por causa da doença. Acredito que ninguém teria o direito de retirar o crédito que esse homem tinha para falar de dor.

Mas, o ponto aqui é mais a visão de passado, presente e futuro que move nossa mente em um círculo de perspectivas sem fim. Como somos capazes de identificar cada um desses momentos e, às vezes, confundi-los.

Isso mesmo. Algumas coisas já se foram e fizeram seu papel em nossas vidas, cumpriram o que tiveram que cumprir e ajudaram a nos trazer até aonde estamos no momento. Seja este agora, de contentamento ou não.

Quando voltamos ao passado para afugentar as nossas frustrações do presente, por exemplo, estamos dizendo para nós mesmos que não somos capazes de fazer diferente. Que estamos com medo de novos fracassos.

O futuro que nos amedronta pode também nos congelar em uma posição de inércia, como pessoas que não possuem tolerância para novas frustrações e, por isso, nem sequer suportam pensar em se arriscar novamente.

Em que dimensão de tempo vamos viver, é uma escolha nossa. Embora, muitos dos acontecimentos da vida queiram nos puxar para trás ou nos impedir de ir para frente, o que parece é que estamos travados em algum momento.

Além disso, nenhuma dessas visões definem quem somos, pois, estamos em constante mudança, muitas vezes, tentando nos adaptar a tudo e a todos que fazem parte da nossa história, menos a nós mesmos.

Esse é o grande dilema do tempo e a controvérsia que mexe com nossas vidas, de forma muito interligada. Uma memória impede uma decisão do presente, que pode impedir uma conquista de um futuro próximo.

Sabemos que não somos mais os mesmos de anos atrás e entendemos que não queremos mais as mesmas coisas. Estamos praticamente irreconhecíveis diante do espelho, mas ainda tentamos fazer o tempo parar.

Juramos que podemos mudar as pessoas e sermos mais felizes com novas versões delas, mas, esquecemos que temos liberdade de mudar a nós mesmos e ser mais flexíveis, principalmente com nossa maneira de ver as coisas.

Portanto, diante de tantas idas e vindas, melhor é olhar para aquilo que é eterno, que não possui limitação temporal, nem restrição de passado, presente e futuro, pois, simplesmente é e nunca deixará de ser (2 Coríntios 4.18).