Jó | A maior perda

A perda que pareceu ser mais dolorosa foi a da presença de Deus. Nela, Jó tinha uma identidade segura, mas que parecia ter sido sugada por uma total falta de apoio. Aquele homem estava se sentindo bem desamparado.

O silêncio divino, que simbolizava a sua ausência, estava desestruturando-o, de forma terrível. Era como se ele estivesse se percebendo cair em um abismo sem fim, com nada para se sustentar e em completa escuridão.

Como que mergulhado em uma falta profunda de sentidos, ele estava pedindo por socorro, mas, não era ouvido por ninguém. As perguntas não eram respondidas e parecia que sua vida não tinha mais importância.

Tudo ficava mais difícil de entender naquele silêncio sufocante. O fundamento de toda conexão estava perdida e não havia mais o que pudesse ser feito para recuperar o que mais lhe faltava. A solidão lhe corroía por dentro.

Nada mais se movia, tudo estava parado no sufoco daquela angústia. Como achar o caminho de volta para o consolo de um pai, lhe parecia muito confuso. E o que ele havia feito, para merecer aquilo, era a maior interrogação.

Tudo mais havia perdido o sentido, com a falta que lhe fazia aquela presença. Era ela que lhe confirmava como capaz de suportar qualquer adversidade que pudesse vir a acontecer. Ou até as que já tivessem acontecido.

Sem a segurança de que estava sendo ouvido pelo ser mais supremo do universo, a vida estava posta em fim. Não seria mais possível sobreviver a tamanha perda, pois, com certeza, ela havia sido a maior de todas.

Quem mais poderia lhe ouvir e fazer alguma coisa a respeito não parecia estar ao seu lado. Estava tudo realmente perdido e não existiria ninguém que lhe dissesse o contrário, a não ser o próprio autor dessa necessidade.

Porém, isso era o que ele sentia. Deus estava com ele o tempo todo e não o havia desamparado. Ele estava por perto e observando, ouvindo e sofrendo juntamente com seu filho querido. Jó era especial e não estava só.

Não se tratava de uma simples sensação, mas de uma obra maior que estava sendo feita. Depois de tudo que aconteceu, Jó respondeu que, só assim, conseguia ver intimamente a quem ele só havia ouvido falar (Jó 42.5).

Antes e depois de tudo que ele passou, não entendia que a maior obra feita na humanidade também seria consumada em um momento de silêncio. Que essa sensação de desamparo não seria sentida apenas por ele.

Jo.29.4 - Mt.27.46

Era muita dor. Que sofrimento que o Senhor passou em nosso lugar, por nossa causa, em favor de todos. Uma angústia vivida até a morte e que lhe fez sentir a ausência daquele que lhe havia enviado ao mundo.

Nada pode ser construído sem essa sensação de perda. Nenhum grande aspecto da nossa vida será dado, sem que a experiência do desamparo esteja abraçada em nossa carne e nos faça sentir a falta da melhor amizade.

Todo o nosso ser almeja pelo prazer do contato divino e está constituído pela vontade de lhe ver, ouvir e tocar. Nossos sentidos precisam disso, nossa alma anela pela chance de estar na presença eterna daquele que nos criou.

Esse é o ponto máximo da existência de todos os relacionamentos. Sabemos que temos, mas precisamos que algo nos confirme no corpo, na alma e no espírito. Fomos formados com essa necessidade de percepção.

Se alguma coisa nos diz o contrário da eterna harmonia desta amizade perfeita, nos sentimos desamparados, nos sentimos como que abandonados e longe de tudo que é parte da plenitude do sentido da vida.

Sem um relacionamento rítmico e constante com quem nos conhece melhor que nós mesmos, ficamos desorientados e com a sensação de uma perda maior que qualquer outra que consigamos experimentar em nosso ser.

Essa é a única perda real. É a única que não queremos, de verdade. Tudo mais que vamos deixando para trás, até aquilo que achávamos que fazia parte da nossa essência, não tem tanto valor quanto essa pessoa.

As demais coisas dessa vida vêm e vão, como que em um sopro delicado do vento. Pessoas desaparecem, riquezas acabam, saúde não fica o tempo todo. Tudo que achamos que temos passa, principalmente o tempo.

Aprendemos a lidar com todas essas baixas em nossas vidas, mas, não conseguimos, naturalmente, suportar a perda da presença do eterno. Não temos uma estrutura que nos faça saber superar isso. Ele é essencial.

A amizade que nos toca em lugares que nem sabíamos que existiam. O ser que nos conhece e ensina a respeito de nós mesmos, como se fossemos completos ignorantes. O pai que cuida com um esmero singular.

Por isso, Jesus suportou o que era preparado para nós todos, de uma só vez. Levou sobre si o peso de todas as perdas, para que viesse a ter todos os ganhos, em seguida. Sentiu a pior delas. Sentiu a ausência de Deus.

Jo.29.4 - Rm.11.36

Quem já viveu grandes perdas sabe que a dor é inexplicável. Teve a oportunidade de experimentar o vazio da ausência e a impotência diante de eventos que estão completamente fora do nosso controle.

Parece que não há nada que facilite a vida depois de perdermos algo ou alguém. Muitas dessas fazem parte de nossas reais expectativas e nos retroalimentam de forma que dão sentido à existência.

Porém, sempre que perdemos, devíamos entender que tudo nos é apenas emprestado, como que para cuidar por um tempo, muitas vezes bem curto. Somos administradores e, na verdade, nada é realmente nosso.

Quando tomamos posse de coisas, pessoas, circunstâncias, ou qualquer outro aspecto da vida, podemos ficar um pouco confusos. E embora saibamos que nada fica para sempre, sentimos a dor de muitas partidas.

Jó havia perdido tudo e, ao mesmo tempo, sabia que tinha vindo a esse mundo sem nada e partiria dele da mesma forma. Mas, isso não o impediu de sentir aquela sensação angustiante da perda, até a pior delas.

Muitas explicações foram dadas e mais tristeza ia se somando naquele encontro que parecia sem fim. Até que todos ficaram em silêncio para ouvir um jovem, que pareceu esperar o momento certo para falar (Jó 32.4).

O fato é que ninguém conseguia explicar o que Jó estava passando, o que virou um tormento para quem estivesse por perto. Até que o próprio Deus falou e mostrou que não estava ausente, que não havia esquecido deles.

Isso foi suficiente para que todos tivessem a oportunidade de rever pensamentos, palavras e comportamentos, inclusive o próprio Jó. Tudo parecia ter ficado mais claro e com perspectivas mais coerentes.

Aquelas pessoas tiveram a oportunidade de se autoconhecer, através daquele que nos entende e possui uma sabedoria que não conseguimos explicar. As coisas pareciam estar tomando um lugar mais adequado.

Toda aquela dor parecia estar sendo explicada, pelo simples fato da presença que mais fazia falta para todos. Até mesmo as perdas estavam sendo restituídas e novas sensações tomavam o lugar do desespero daquela ausência.

Esse é o segredo de tanta dor ligada às perdas da vida, que é a espera do melhor da mais profunda presença de Deus. Da ligação que fomenta toda a razão de existir e nos torna dele, por ele, para ele (Romanos 11.36).