Reis | Voz que não cala

Não se ouvia a sua voz

[1 Samuel 1.13]

Vamos começar a história dos reis de Israel com uma mulher que, mesmo sendo estéril, tornou-se a geradora de um milagre vivo. Ana não podia ter filhos e vivia angustiada pelo desejo enorme de ser mãe.

Anualmente, ela e o marido, que tinha outra esposa e filhos, iam até a cidade para oferecer sacrifícios e adorar a Deus. E, numa dessas idas, essa mulher clamou para que um sonho fosse realizado.

Não bastasse a situação difícil que ela tinha que viver em pensamentos, ela também era atormentada pela outra esposa do seu marido, que lhe irritava ao ponto de fazê-la chorar e parar de comer (1 Samuel 1.7).

Seu marido, apesar de lhe amar, dizia que era muito melhor que dez filhos e, de certa forma, era insensível ao sonho da esposa, sem entender o tamanho da frustração e o significado do vazio em seu ventre (1 Samuel 1.8).

Ela parecia se sentir invisível, já que não era vista da forma como ela realmente estava, pois, o motivo que angustiava seu coração não era percebido. E, sem poder de voz, até uma oração foi feita no silêncio da dor.

Assim como acontecia em casa, sua voz não era ouvida durante aquele gesto. Somente o coração chorava, com o gesticular da boca. Uma mulher incompreendida devia ser como ela se via (1 Samuel 1.13).

Porém, Deus tinha outro plano para ela. Ele usou o silêncio, a alma derramada e a voz do coração daquela mãe, que ainda não tinha filhos, ao transformar o pranto em um semblante com esperança (1 Samuel 1.18).

Ele viu que aquela mulher já era uma pessoa que se importava com alguém, que nem sequer existia, que ainda não havia sido gerado em seu ventre e não tinha nenhum sinal de que viria ao mundo, através dela.

Ana já era uma mãe sem filhos. Ela mostrou que a vida em seu ventre era maior do que muitas mulheres férteis. Planejou uma vida consagrada para a criança que ainda não havia nascido e gerou antes de engravidar.

Enfrentou a dor da insignificância quando teve fé de que seria frutífera e anulou a força da invisibilidade para quem a estava vendo realmente, tamanha foi a ousadia para acreditar naquele milagre que iria acontecer.

Ela viu o invisível e o intocável, além da limitação e da impossibilidade que estava sendo motivo de vergonha. Ela expressou o extraordinário com o coração, ao pedir algo simples, por ela, através dela, mas para Deus.

No seu coração

Lucas 2.19

O coração de uma mãe é poderoso para mover o mundo. A voz que dele sai é tão audível quanto o clamor de muitos homens e consegue extrair, de dentro de uma pessoa, a expressão de amor que comove os céus.

Quando uma mãe se preocupa com sua família, ela estremece a realidade de todos. Sua capacidade de servir e de acolher é tão sublime que deslumbra até o mais insensível dos homens. Nela, vemos o real sentido do cuidado.

Por mais que a boca nada diga, do interior fluem palavras que muitas pessoas não ouvem, mas que explodem em emoção. São instrumentos de conexão com filhos, marido, outros familiares e com Deus.

A mulher escolhida para gerar o Senhor guardou muito do que ouvia no coração. Somente Deus sabe o que ela teve que sofrer e o que também se alegrou por ter sido abençoada com a maternidade do próprio Deus.

Sua gravidez foi única em toda a história. Passou por rejeição, acusações e teve que suportar dores que ninguém talvez nunca saiba. Mas, suportou até o fim e cumpriu uma missão especial de devoção em silêncio.

Essas mães são exemplos de vida para todas que são agraciadas pela tarefa de carregar vida em seu ventre e trazê-la ao nascimento. Cuidar, proteger e esquecer de si mesma, para que um filho seja lembrado.

A maternidade explica muito do significado palpável do amor divino, como um ensaio, cheio de defeitos, mas regado de perdão, amor e zelo. É como alguém designada para cuidar daquilo que não é realmente dela.

Quando o papel de mãe foi criado, acredito que Deus já havia pensado que seu filho deveria ser cuidado por alguém assim. Que mesmo um batalhão de anjos não seria capaz de abraçar da mesma forma que essa criatura.

Teria que ser um alguém para cuidar de outro alguém tão especial. E não haveria melhor do que uma pessoa capaz de abrir mão do próprio bem-estar, desistir dos sonhos pessoais e sair dos melhores confortos, por um filho.

Ela precisaria ter um coração que falasse abertamente, mesmo nos piores momentos de mudez. Teria que humanizar a forma divina de tratar seus filhos e seria portadora das lágrimas mais úmidas de humildade e poder.

Esta criatura, tão cuidadosamente projetada, seria totalmente apagada para que um filho viesse a ser a luz do mundo. E, mesmo que uma espada ultrapassasse a sua alma, ela nunca deixaria de ser mãe.

Minha

Mãe

Serei negligente, incompleto e irresponsável em falar dessa mulher, mas, prefiro pensar que serei corajoso para tentar, com as incapacidades da língua portuguesa, homenagear quem passou a vida inteira fazendo isso por mim.

É isso. Tive o prazer de uma vida de homenagens, de me sentir alguém e poder seguir, cair, levantar e perceber que ela estava por perto para me segurar. Não sei da metade do que essa pessoa teve que passar por minha causa.

Nem nunca vou saber, mas, há quem tenha ouvido cada aperto no coração, cada suspiro de alívio e as inúmeras confusões que precisou suportar para me ajudar a viver. Cada falta de ar sua era uma brisa suave nos meus pulmões.

Escolheu viver por uma causa que eu nunca vou entender, pois não poderei ser agraciado com esse papel. Embora, saiba que cada gratidão de minha parte é um imenso conforto para essa vida escolhida para cuidar de mim.

Não poderei também ser grato o suficiente, pois, sem a experiência de viver o mesmo, tudo fica incompleto. Porém, na minha ignorância, farei o possível e o impossível para dizer o obrigado que, para ela, vale mais que toda fortuna.

Ela pagou um preço muito alto e foi coroada com essa graça, que talvez até ela mesma não saiba explicar, se é que isso é possível. Deixou tudo para depois, somente com o intuito de me ver bem. Chorou, sorriu e ainda o faz.

Parece que nada mudou. Tudo é tão diferente, a cada dia que passa, mas, essa estrutura de acolhimento não saiu do lugar. Ficou firme para que eu pudesse ser e crescer, com muita dificuldade, mas sem desistir.

Seus próprios sofrimentos pareciam não importar, pois, os meus estavam sempre em primeiro lugar nas lágrimas que, tenho certeza, não vi nem enxuguei um terço delas. Tudo parecia estar guardado em seu coração.

Coração moldado pela mão do criador e fortalecido para romper com orgulhos, vaidades e qualquer coisa que se colocasse entre nós. Capacitado para ir além das suas pernas fracas, que se tornaram fortes.

O que precisasse vencer seria vencido para que eu não sofresse, nem sentisse o que ela estava sentindo. Com isso, calou-se e falou com a voz que não cala, expressou para quem podia fazer o que ela não sabia.

Suas marcas nos joelhos gritam a dor de quem se dedicou por mim. Mais do que por isso, sei que a sua recompensa será melhor que o meu coração pode dizer e maior do que minha mente pode imaginar. Obrigado minha mãe.