Como se fora surdo
[1 Samuel 10.27]
Saul foi aclamado por alguns e desprezado por outros. Ele tinha acabado de ser anunciado como rei de Israel, escolhido pelo próprio Deus, mas se deparou com resistências verbais contra a sua ascensão à monarquia.
Mesmo sabendo que, mais à frente, seus erros lhe fizeram cair, ele tinha um papel de autoridade designado divinamente e composto por responsabilidades de um custo alto para serem assumidas.
E, além disso, era seu dever cumprir aquele papel, independentemente do seu grau de aprovação popular, já que seu principal foco deveria ser agradar a Deus, servindo como um exemplo de governo teocrático.
Porém, ele não foi acolhido de imediato, recebendo críticas a respeito da sua capacidade de liderança contra os inimigos do seu povo, que estavam sendo o maior problema deles naquela época.
Ele teve que ouvir o repúdio e o desprezo vindos de quem não acreditava que ele estaria apto a fazer o que precisaria para cumprir aquele papel, mas, sabiamente, se fez de surdo para os ataques.
Muitas vezes, temos que nos fazer de surdo para algumas coisas que são ditas, já que elas não apenas nos atormentam, mas destroem nossas emoções, ao ponto de denegrirem o que temos de mais valioso em nós.
É como se fossemos atacados de dentro pra fora. Pois, mesmo que as palavras tenham vindo no sentido contrário, elas vão surtindo um efeito negativo, a longo prazo, quando fazem um ninho de ideias.
E, embora elas pareçam inocentes, em primeira instância, vão se digladiando internamente com nossas histórias mais ocultas de frustrações, derrotas e perdas, fazendo com que lembranças sejam reavivadas, em pleno vapor.
Daí então, é quando a guerra realmente começa. Não temos a menor ideia de com quem estamos lutando, já que não há ninguém na nossa frente para discutirmos o que está repetidamente ecoando e maltratando por dentro.
Nessas horas, não enxergamos o inimigo cara a cara, mas sabemos que alguma coisa está errada, como que gerando sons estranhos, do grave ao agudo, tocando em partes da memória que estavam dormindo.
E corroendo toda a vitalidade que vai sendo perdida pouco a pouco por substâncias tóxicas, que já tivemos o desprazer de provar antes, e outras novas que parecem aumentar a potência destrutiva das anteriores.
Escala mental
De prioridade
É realmente uma confusão de sentidos. Pois nos vemos sendo consumidos por palavras intrusas que entraram pelas portas da nossa alma, e ficaram lá causando um efeito continuado de opressão e desespero.
Melhor teria sido se não tivesse ouvido aquilo. Se tivesse me feito passar por surdo, quando outra pessoa estivesse disposta a tirar minha paz. O que tenho certeza que tentei fazer, mas, não evitou que tocassem onde não deviam.
Foi assim que entendi que não sou capaz de me ensurdecer por completo, já que os meus ouvidos estão abertos para receber o que está ao redor, sem filtro do que irá me fazer bem ou não, ainda que no momento eu talvez não saiba.
Porém, algumas ações eu posso tomar para não ter que passar por tanta confusão novamente, mesmo sabendo que vou ter que ouvir absurdos. Então, a primeira delas é priorizar as vozes, de forma que uma possa calar a outra.
Sendo assim, a primeira voz a ouvir, entender e nunca esquecer é a de Deus e o que Ele diz a meu respeito, pois, com a certeza de que sua Palavra é maior que qualquer outra, podemos calar aquelas que não nos acrescentam nada.
No percurso da vida, existirão muitos que irão duvidar de nós e daquilo que acreditamos, inclusive nos lançarão palavras de desprezo para nos desanimar e minar a nossa fé e esperança. Seguramente, estes não faltarão.
É quando somos levados, juntamente com os nossos propósitos, a desistir de sonhos, olhar para o que nos paralisa e acreditar naquilo que foi dito, negligenciando o nosso valor pessoal e interpessoal.
Porém, temos um Deus que nos mostrou o nosso significado e valor para Ele. Que nos comprou por um preço muito alto e deixou tudo escrito em palavras que precisam ser priorizadas em nossa mente.
De forma que possamos “dar poder” ao que realmente o tem, ao criar uma escala mental para determinar o que é de fato importante ouvir e acreditar. Ou seja, se o que foi dito não confere com o que Deus diz, não importa.
Devemos ser “como surdos” para o que não é enfaticamente pronunciado por quem quer o melhor para nós. E, mesmo que nos machuque, pelo menos que não proporcione mudanças negativas na nossa maneira de pensar e agir.
Que não nos mantenha presos por muito tempo em seus efeitos nocivos e corrosivos, pois temos uma fonte inesgotável de sabedoria eterna e valores que nos impulsionam para uma vida plena de confiança.
A pedra que os edificadores rejeitaram
Mateus 21.42
Não há nada que possa ser dito que valha a pena dar crédito imerecido, pois a única verdade absoluta a ser assimilada, se chama Jesus Cristo de Nazaré, que também passou por todo tipo de desprezo e rejeição.
Ele foi desconhecido pelo próprio povo, mas sabia quem era e para que tinha sido colocado nesse mundo cheio de pessoas cruéis no falar. Veio para salvar e foi maltratado e agredido das piores maneiras possíveis.
Pois é. Se o Filho de Deus passou por isso, então não há como evitar que também tenhamos momentos de sermos atacados pelas palavras venenosas que tiram a nossa paz, nem que seja por um instante sequer.
Contudo, que esses instantes sejam substituídos por aquilo que tem prioridade em nossa escala mental, de forma que sejamos cúmplices daquilo que nos edifica e nos torna mais fortes, não o contrário.
E que a nossa “surdez” seja o ato mais violento que temos para revidar ao que não tem nenhum valor para nós e para os que nos amam de verdade. Criando filtros que nos confirmem nos nossos ouvidos mais internos.
Portanto, ser rejeitado não é tão grande problema quanto se manter nesse estado. Não temos a responsabilidade de agradar a todos, nem de nos fazer entender por aqueles que não querem e ainda se esforçam para nos diminuir.
Não podemos esquecer que somos filhos do Deus altíssimo, o que é um direito dado a todos quanto o receberam, sem exceção. Isso nos concede poder para termos ouvidos que selecionam o que deve ser assimilado (João 1.12).
Somos uma geração eleita para o sacerdócio real do reino eterno daquele que sofreu as nossas grandes dores e prometeu estar conosco até o último dia, quando virá para nos buscar (1 Pedro 2.9).
Então, que isso e outras tantas coisas que Ele diz ao nosso respeito sejam os alicerces do nosso filtro auditivo e que nenhuma das palavras ditas consiga ser mais importante do que aquilo que o próprio Deus diz.
Esse é o real sentido de toda autoestima que precisamos para entendermos quem somos e os nossos papeis neste mundo, mesmo ele estando cheio daqueles que vão continuar dizendo o oposto e nos desprezando.
Todavia, que possamos ser “como surdos” que escolhem o que será ouvido, sentido e aprendido, transformando toda oportunidade de escuta, em uma atividade de escolha, no tocante ao que é verdade de fato.