Longe de mim pecar, deixando de orar por vós
[1 Samuel 12.23]
Samuel era profeta e sabia que uma de suas responsabilidades era orar pelo povo de Israel e que deixar de fazê-lo não seria apenas uma negligência, mas, um pecado contra Deus, que o havia constituído como tal.
Mesmo ele estando claramente incomodado com a decisão daquele povo de querer um homem no poder real, ao invés de continuar em um estado teocrático, ele não se absteve do seu papel.
Manteve-se firme e ativo no que lhe havia sido designado, com a sua capacidade crítica inflamada de razão e justiça, ao permanecer como representante divino, apesar da sua idade avançada (1 Samuel 12.18).
Portanto, este é um ótimo exemplo de fidelidade de um homem ao seu papel. O qual, mesmo não estando de acordo com aqueles a quem deveria prover um serviço, o fez, ainda que contra o que pudesse gostar, querer ou poder.
Logo, estes três verbos não definem a prioridade nem intensidade de um papel, mas, apesar de serem ótimos termômetros para guiar decisões, não passam disso. Servem apenas para ajudar à identidade atuante.
Quando nos identificamos com algo que temos que executar, somos intimamente ligados ao seu propósito, como se aquilo fizesse parte da definição de quem somos, principalmente quando remete a um chamado de Deus.
E, de posse de uma identidade segura, que nos confirme também diante das pessoas, passamos a ter uma motivação adequada para exercer determinado papel, o qual não apenas exige de nós, mas também nos alimenta.
A partir daí, entendemos melhor os sentimentos presentes em instantes de decisões difíceis, pois passamos a priorizar tudo que envolve a identidade pessoal e relacional, independentemente do que gostaríamos.
O nosso querer passa a ser governado por quem somos, já que ele também é capaz de variar muito, de acordo com as circunstâncias e as nossas histórias de frustrações e perdas. Evoluímos o que querermos com a maturidade.
E, por fim, a nossa capacidade muda de ângulo de visão, se tornando mais simples de lidar até mesmo com aquilo que pensávamos ser impossível. É como se as barreiras diminuíssem, prontas para serem ultrapassadas.
Ou seja, Samuel podia não gostar da ideia do povo, talvez nem quisesse mais orar por eles e poderia ter desistido do seu papel, por causa da decepção. Mas, ele manteve sua identidade de profeta, ao obedecer e ser fiel a Deus.
Escolha
Da profissão
Algo precisa nos motivar para seguirmos firmes em executar o que nos compete, pois, são muitos os obstáculos internos e externos que tentam nos tornar inertes diante deles e de suas negociações de confusão.
Não é todo o tempo que vamos gostar do que fazemos, nem é sempre que vamos querer continuá-lo e, muitas vezes, nem sequer vamos poder fazê-lo. E quando estes três elementos faltam, ao mesmo tempo, é bem difícil.
Difícil ao ponto de não nos identificarmos mais com aquilo, o que pode levar à desistência de sonhos ou de responsabilidades atreladas a tais, nos levando a confirmar prematuramente o fim de uma determinada função.
No entanto, não são estes três fatores que devem popular nossa mente com acervos finais de decisão, já que o verdadeiro fundamento do que transforma um papel, em algo de real valor pessoal, é a identidade.
O que eu gosto de fazer está muito ligado às minhas emoções, o que remete ao prazer e bem-estar da relação que tenho com as atividades inerentes ao meu papel. Isso pode envolver inclusive as memórias que são despertadas.
O que eu quero fazer significa uma decisão ou um conjunto delas, que foram tomadas durante a vida, baseadas nas minhas experiências e desejos pessoais de conquista. Até mesmo minhas perdas podem definir o que quero conquistar.
O que posso fazer é fruto das minhas capacidades, ou pelo menos daquilo que entendo que estas são. Elas podem ser mal compreendidas e até mesmo supervalorizadas, gerando atos inconsequentes.
Ou seja, sem saber quem eu sou, todos esses três itens poderão ficar desbalanceados e cheios de altos e baixos que surpreendem de formas desagradáveis, gerando dúvidas não salutares.
E talvez este seja o grande problema que têm acontecido com os jovens de hoje, que pensam que escolher uma profissão está ligado ao que gostam de estudar, ao que acham querem fazer pelo resto da vida ou pensam que podem.
Eles estão sendo pressionados muito cedo a gerar resultados, seguir heranças familiares de escolhas e, na maioria das vezes, são rotulados como alguém que precisa fazer algo porque pode ou não pode.
No fim, está-se colocando profissionais que não sabem nem porque estão fazendo aquilo, já que não foi escolhido por eles mesmos, mas pela história de pais que deixaram de resolver suas próprias pendências.
Não seja como eu quero, mas como tu queres
Mateus 26.39
O motivo de relacionar a escolha de uma profissão com o chamado de Samuel pode parecer estranho, mas este último também se trata de uma escolha pessoal e vocacional, a qual ele decidiu permanecer até o fim.
Ele pode até ter sido colocado em uma posição de servir a Deus, desde pequeno, mas foi ele mesmo quem escolheu ficar, conscientemente, mesmo contra toda circunstância que se opusesse ao seu gostar, querer e poder.
Deus não força ninguém a nada. E certamente não obrigou Samuel a ser um profeta, nem a fazer o que ele não gostava, queria e podia, mas lhe deu a opção de ter suas vontades alinhadas em um propósito maior.
Mostrou o melhor e ele o aceitou, conduzindo o seu papel de forma identificada consigo mesmo, tornando aquilo parte da sua forma biológica, mental e espiritual de vida. Por fim, ele foi um verdadeiro profeta do Senhor.
Quanto a nós, essa capacidade de acolhimento daquilo que somos chamados a fazer está em todos, sem exceção. Cada pessoa tem a chance de descobrir, compreender e declarar a sua identidade única de existência.
Somos o que Deus nos chamou para sermos. E tudo além disso irá depender do gostar, querer e poder, que são efêmeros e voláteis, já que são importantes, mas não essenciais para nossas escolhas mais críticas.
Escolhas essas que vão moldando a personalidade em um significado maior que a própria pessoa, gerando sentido de existência e uma identidade capaz de aprender a gostar, passar a querer e saber que pode.
E, mesmo que nenhum desses três aconteçam de imediato, ainda somos capazes de superar os gostos pessoais, entender aquilo que Deus quer para nós e crer que Ele pode todas as coisas, mesmo quando nós não.
Sendo assim, é mais que essencial termos consciência da nossa identidade em cada papel que exercemos, pois, se não houver esse conhecimento, vamos depender sempre do gostar, querer e poder, para sermos.
Mas, não é isso que Deus quer. Uma vez que sua vontade é que sejamos plenamente dispostos a suportar os “cálices” que nem sempre são agradáveis aos olhos humanos, mas nos conduzem ao ponto certo (Mateus 26.39).
Então, que possamos orar e pedir que nos seja revelada a vontade divina e a nossa, para que, no momento mais adequado, tenhamos a força sensível de optar pela vontade daquele que nos conhece melhor que nós mesmos.