Reis | Ato de desespero

Constrangi-me

[1 Samuel 13.12]

Saul estava em guerra contra os filisteus, que eram em maior número e amedrontavam os israelitas. Estes últimos haviam começando a dispersar-se, fugindo da batalha e deixando o rei constrangido.

Ele pediu para que Samuel fosse ao seu encontro, que por sua vez disse que esperasse por sete dias, até que ele chegasse ao local para fazer um sacrifício a Deus, no intuito de clamar pela sua intervenção.

Impaciente de esperar, Saul mesmo executou o sacrifício, o que deveria ser uma ação exclusiva do profeta. E, quando este último chegou ao local, no dia prometido, repreendeu o rei a respeito da sua imprudência.

Isso não lhe custou apenas um sermão, mas também o trono, pois uma ordem divina havia sido desobedecida, ainda mais por quem tinha autoridade sobre o povo e deveria ser e dar exemplo. Mas, o desespero foi mais forte.

A pressão foi grande, ao ponto de tirar-lhe a capacidade de pensar em como manter o povo aguardando pacientemente pelo ritual exigido por Deus, como forma de reinvindicação da sua atenção, naquele momento difícil.

E, ao invés de usar a sua posição e seu papel em favor daquela espera, ele mesmo não teve uma postura de rei, mas permitiu que o medo comandasse suas ações, deixando a situação ainda pior do que estava antes.

Saul cedeu à pressão, se desesperou e foi impulsivo. Não conseguiu dar o valor necessário ao seu papel de governante, nem deu atenção à voz divina, através do profeta. Sua mente se desassociou de quem ele era.

Pois é, o medo costuma provocar essas coisas. Tira-nos de lugares seguros para desconfortáveis pontos cegos de decisão, o que nos deixa desorientados com relação ao que devemos ou podemos fazer ou não.

Desaprendemos a esperar e partimos para uma reação instintiva de fuga ou ataque. Já que toda a nossa paciência se torna muda e sem opinião para nos manter mais tranquilos diante de situações de pressão.

E, sem dúvidas, essas vão acontecer em todos os nossos variados papéis. Se não houver um ponto de apoio firme como rocha, elas irão transformar seres humanos em criaturas assustadas (Mateus 7.24).

Que não conseguem juntar os pedaços da sanidade para formar uma inteira parte de coragem, dependente de Deus, a qual é a nossa firme esperança de vitória para as batalhas que nos deixam perplexos, mas não desesperados.

Perplexos, mas não desesperados

2 Coríntios 4.8

Ficar abismado com certas coisas que acontecem na vida é mais do que comum, até para os mais corajosos, só que o perigo está em se desesperar e tomar direções que possam prejudicar a nossa integridade.

Levando-nos a sacudir a mente em um mar agitado de pensamentos desconexos que inundam a vida de salinidade corrosiva. Retirando de nós todo tipo de esperança e de amparo humano e até divino.

Isso mesmo. É como se o desespero tivesse a oportunidade de destruir o que temos de mais precioso no quesito segurança e nos deixasse em uma situação de desconexão com o nosso ser interior maduro.

Viramos criancinhas que não conseguem achar os pais, chorando pela sensação de abandono e frágeis por não conseguirem encontrar o rumo de volta para o lugar que nos acolhe e nos deixa dormir tranquilos.

Portanto, deve ter sido um pouco disso que Saul viveu, no instante em que se viu ficando sozinho, sem os seus soldados, que pouco a pouco iam deixando o campo de batalha, se abstendo da motivação para lutar.

Ele ficou constrangido ao ponto de não saber o que fazer para segurar seu próprio exército e não teve paciência de esperar pela chegada do profeta, o que o deixou desestruturado como rei de Israel, servo de Deus e como homem.

Essa é a forma que o desespero atua. Podendo levar até homens de papéis de poder aos mais tenebrosos aspectos da incapacidade que, por mais que tenhamos ações em mente, não são as que normalmente faríamos.

Ou seja, o desespero pode nos levar a confundir papéis, colocando os nossos limites em um ponto cego e nos distanciando do discernimento daquilo que cabe a nós e ao outro. Ocorrendo uma espécie de desorientação.

Logo, a confusão de papéis é uma consequência séria dos momentos de desespero que, como aconteceu com Saul, fez algo que não lhe competia, desagradando a todos, inclusive a Deus.

Ainda mais, tentou se justificar, colocando a culpa no seu povo, que estava se dispersando, e no profeta, que ainda não havia chegado. Porém, as pessoas também estavam se sentindo desamparadas (1 Samuel 13.11).

Isto é, ele não teve a postura de governante, que entende o tamanho do seu papel e responsabilidade, pois um líder teria esperado e motivado todos a fazerem o mesmo. Por fim, perdeu seu posto por um ato de desespero.

A culpa

Que segue

Assim sendo, trazendo essa história para uma ótica familiar atual, na qual os papéis são fontes importantes de coerência relacional, estamos quase sempre culpando alguém pelos nossos atos desesperados.

Somos filhos que acusam os pais pelo desenrolar dos nossos fracassos como seres humanos inexperientes e muitas vezes inconsequentes. Pois, deixamos de ver o significado dos seus inúmeros sacrifícios para olhar supostos erros.

Também somos casais que praticamente se torturam com insinuações e apontamentos de falhas individuais, quando na verdade a relação deixa de ter esperança por causa do desespero mal comunicado.

Ou seja, temos um dedo largo para indicar fora, aquilo que nasceu, cresceu e aconteceu dentro de nós mesmos, poluindo ainda mais as relações fragilizadas por desgastes acusatórios e inflamados de medo e culpa.

Portanto, culpar é um ato de desespero. Pois, se temos uma relação com alguém, então existe um papel a ser cumprido de forma honesta e íntegra, de todas as partes, sem nenhuma exceção.

Que também quer dizer que, quando apenas atribuímos responsabilidades com cobrança e culpa, estamos esquecendo de ver a nossa parte, o que deixamos de fazer ou fizemos, direta ou indiretamente.

E isso significa que provavelmente estamos desesperados por causa do medo de assumirmos as consequências das nossas escolhas, debaixo do controle do nosso livre arbítrio, em uma vida que deveria ser regida por Deus.

Dessa forma, nós, pais, filhos, maridos, esposas, ou qualquer outro relacionamento, que nos exige alguma demanda de direitos e deveres, estamos completamente sem direção clara a respeito de nós mesmos.

Ficamos então como Saul, tomando a frente daquilo que não é nosso e deixando de fazer o que realmente devemos. Quebrando vínculos com pessoas e com Deus e ainda tentando se justificar pela culpa de alguém.

Pois bem, que possamos abrir os olhos que nos impulsionam à responsabilidade e análise crítica daquilo que é tocante a nós mesmos, ajudando as pessoas a verem, em nós, que elas também podem ser melhores.

Mas tudo isso sem buscarmos culpados, deixando que o nosso exemplo seja uma carta viva de boas escolhas e experiências de aprendizado com os nossos próprios erros, os quais não irão deixar de existir.