Não disse nada
[1 Samuel 14.1]
Jônatas, filho do rei Saul, chamou o seu escudeiro para seguir um empreendimento pessoal e arriscado, contra os inimigos filisteus. E não avisou a ninguém o que iria fazer, nem mesmo ao seu pai.
A ideia seria que apenas os dois fossem até um local de difícil acesso e, provavelmente, com menor guarda e atenção dos adversários e fizessem uma surpresa para os que estivessem por perto, eliminando-os.
Como era de se esperar, ele usou a fé para confirmação de que não estava sendo um suicida, então, ele pediu um sinal de Deus para seguir com aquilo. O que aconteceu, como permissão para ele ir em frente.
Deu certo. Os dois conseguiram o que queriam. Só que o que mais me deixa intrigado é o motivo de esconder do próprio pai uma coisa tão séria. Se teria sido um ato de heroísmo inconsequente ou algo diferente.
O ponto é que Saul já havia mostrado que não era um governante confiável, cheio de feitos de desobediência e, neste ponto, já havia sido destituído do seu cargo por Deus, como dito pelo profeta Samuel (1 Samuel 13.14).
Enfim, nem seu próprio filho confiava mais nele para apoio, governo e talvez até mesmo para a função de pai. Seu exemplo teve toda a credibilidade descartada, inclusive dentro da sua própria casa.
O que nos permite refletir a respeito dos nossos papéis de hoje em dia. Os quais representam algo para alguém e não apenas para nós mesmos, pois, quando temos influência, de qualquer tamanho, alguém tem expectativas.
Por exemplo, se sou um pai, eu preciso entender minhas responsabilidades, como também cavar fundo para saber o que cada pessoa ao meu redor espera de mim, como esposa, filhos, amigos, sociedade, dentre outros.
Isso porque cada um que faça parte do meu convívio irá ter necessidades específicas e vai criar uma esperança focada ao meu respeito, que muitas vezes são possíveis e outras não, mas sempre precisam ser comunicadas.
Quando o alinhamento honesto de expectativas é verbalizado, muitas das decepções são resolvidas naturalmente, sem falar que a maioria delas será, de fato, evitada, trazendo um novo significado para os desentendimentos.
E esse novo significado dará abertura para mais credibilidade, dentro e fora de casa. E habilitará ainda mais as pessoas a se importarem com a compreensão que cada um tem sobre o papel do outro.
Início, meio e fim
Do silêncio
Entender o que eu significo para uma pessoa é fundamental para evitar desgastes, segredos e silêncio, assim como aconteceu com Jônatas, um filho que se calou diante das decepções sofridas com o seu pai.
O fato desse rapaz ter feito algo sem o seu consentimento ou mesmo conhecimento, é uma declaração gritante de falta de confiança, o que pode ter sido gerado a partir das frustrações não comunicadas.
Ignorar completamente um pai, ao fazer algo tão importante, ainda mais ele sendo também o seu rei, nos esclarece bastante o quanto ele não levava mais em consideração o benefício de ter um pai nem um rei.
Isso é grave para qualquer relação e não precisa ser uma família real para considerar que os efeitos desse tipo de indiferença podem ser desastrosos. Para tanto, é preciso que haja uma reconexão através da conversa e do exemplo.
Exemplo esse que deve, pacientemente, ser dado por quem perdeu o privilégio de passar confiança e mostrado para quem precisa desconstruir pensamentos nocivos, que geram silêncio entre ambos.
Enquanto as frustrações estiverem sendo caladas, as mentes serão ninhos propícios ao nascimento e desenvolvimento de distâncias emocionais, que vão ficando cada vez mais difíceis de alcançar, gerando mais silêncio.
E a vida vai sendo construída nesse tipo de convívio mudo, até que fica tão natural não compartilhar informações, pensamentos e emoções, que chegamos a pensar que essa forma de relacionamento está bem.
Achamos que estamos nos resguardando ou protegendo alguém, mas, na verdade acabamos punindo tantas pessoas e inclusive a nós mesmos. E pior ainda é quando fazemos isso com quem nada tem a ver.
O silêncio tem sempre um início. E que pode estar tão escondido quanto a ineficácia da sua expressão desprovida de palavras, com um poder influente de desvio de trajetórias, quase irrecuperáveis.
O silêncio tem sempre um meio. O qual é tragado pela inquietude da sensação de impossibilidade e pelo afastamento gradativo da verdade compartilhada, compreendida e mutuamente estimulada.
O silêncio tem sempre um fim. Que remete a uma sabedoria ilusória de contenção de informações, levando a uma escuridão de vínculos que se perderam no meio dos seus multiformes isolamentos.
Que queres que eu te faça?
Marcos 10.51
Sendo assim, é preciso que haja uma voz autêntica de verdade, venha essa do falar, do abraçar, do olhar, ou de qualquer gesto de entrega honesta de emoções e pensamentos, pois a declaração é um fundamento de convívio.
Quando algo é dito, dá-se a permissão para que um milagre aconteça. E, muitas vezes, recuperar uma relação de confiança é realmente algo miraculoso, pois quando esta se perde, não sabemos o que fazer.
Conseguimos chegar ao ponto de nem saber dizer o que queremos que seja feito, já que vamos perdendo o contato com as pessoas que mais amamos, de uma forma que não entendemos mais como tudo começou.
Se aprendêssemos a dizer o que queremos, as vontades seriam mais facilmente ajustadas para uma visão relacional e não apenas individual. Tudo ficaria estabelecido na clareza, que é o que mais falta no silêncio.
Eu quero recuperar os anos que passaram, nos quais eu fiquei distante de quem era importante pra mim. Deixei que elas fossem embora e não lembro como foi a nossa despedida, porque isso talvez não tenha acontecido.
Eu quero ter confiança novamente. Saber que as decepções que vivi foram para mostrar que não temos que ser perfeitos o tempo inteiro, mas podemos nos recuperar das inúmeras quedas em nossos relacionamentos.
Eu quero olhar para trás e saber que tentei. Que dei o meu melhor para ser o meu melhor e saber que fiz o que podia fazer, só que isso apenas pôde ser expressado através da minha habilidade de ser genuíno.
Eu quero começar tudo de novo. Mas, não importa quantas vezes eu tente recomeçar, algumas coisas acabam se repetindo como se fossem na primeira vez em que eu não soube compreender.
Eu quero saber o que o outro precisa. Só assim não serei totalmente imprudente nas minhas escolhas e saberei que caminho é melhor para todos, ainda que eu tenha que tomar uma direção diferente.
Eu quero entender o que posso fazer. Mesmo que seja algo impossível pra mim e que eu saiba que nunca vou conseguir suprir aquela necessidade, porém, se houver esse alinhamento, talvez eu seja capaz de evitar mais silêncio.
Eu quero saber dizer o que eu quero. Dessa forma serei capaz de enxergar com mais nitidez ao meu redor e talvez perceber que aquilo não será sempre o que outra pessoa quer. E talvez não seja também o que Deus quer.