Pois quem é esse…?
[1 Samuel 17.26]
O pai de Davi havia lhe pedido para levar comida para seus irmãos no campo de batalha contra os filisteus. Ele acordou cedo, deixou suas ovelhas sendo cuidadas e partiu na missão recebida.
Ao chegar, foi logo procurar seus irmãos para saber como estavam e acabou ouvindo a conversa dos soldados de Israel, falando sobre um guerreiro filisteu que estava desafiando seu povo.
O rei Saul já havia prometido recompensa, inclusive a sua própria filha em casamento, para quem eliminasse aquele adversário que devia parecer indestrutível, de tão enorme que era.
Davi retrucou de forma a colocar em dúvida o medo que aquele povo estava sentindo de um só homem. Como seria possível estarem todos tão abalados com um estrangeiro incircunciso, inimigo do seu Deus?
E parece que essa questão mexeu com as pessoas em volta, pois passaram a repetir as mesmas palavras que Davi havia colocado de forma tão espontânea e cheia de confiança.
Por outro lado, seu irmão Eliabe mostrou que não gostou da participação do seu irmão mais novo. Questionou-o sobre quem estava cuidando das ovelhas, já que isso era sua responsabilidade e ainda lhe acusou de arrogante.
Davi ficou surpreso, o que não era para menos, mas não desistiu de expor sua percepção diferenciada de uma multidão naquele momento. O que acabou lhe levando até o rei, que o permitiu enfrentar o gigante.
Cheio de muita coragem e usando sua experiência em enfrentar criaturas ferozes (um leão e um urso), sabia que seu Deus estaria com ele como esteve em outras ocasiões de tamanha dificuldade e perigo.
Essa mesma coragem não diminuiu o tamanho do problema, mas o colocou de uma forma diferente, como não estava sendo colocado por um exército inteiro, inclusive pelo seu próprio irmão.
O que parecia era que aquele medo havia deixado todos em posição de expectadores do fracasso, observadores das desvantagens, pensadores da sobrevivência, especuladores da recompensa, totalmente na defensiva.
E isso talvez explique a reação de Eliabe. Já que, alguém com medo se defende até de situações que não são um ataque, ainda mais se puder direcionar o seu suposto contra-ataque para quem pareça mais fraco.
Espírito de timidez
2 Timóteo 1.7
Força, amor e prudência foram os atributos que Paulo escreveu ao seu discípulo Timóteo, como parte daquilo que é dado por Deus ao seus. E não um espírito de medo, timidez e autodesvalorização.
Os fragmentos de desespero e inércia percebidos nesse trecho, que expõe o povo de Israel à vergonha, é o algo que passamos corriqueiramente em diversos papeis de nossas vidas.
Muitas vezes enxergamos os nossos inimigos maiores do que eles realmente são, atribuindo-lhes uma força que eles nem sequer pensam em ter, mas que facilmente recebem de nossos próprios receios.
Davi estava diante de um inimigo incomum, alguém que estava conseguindo estimular o pior na sua família e no seu povo, ou até melhor dizendo, no povo do Deus todo poderoso. Povo marcado e separado para sua glória.
Para ele, parecia clara sua posição, embora seus atributos não dessem nenhum tipo de segurança para se sentir daquela forma. Além disso, tenha sido sentimento ou não, ele mostrava muita certeza de quem era naquela situação.
Tentando ele refazer a imagem amedrontada daquela plateia, ele próprio tomou as rédeas da situação, indo ao encontro da morte garantida, segundo a perspectiva dos muitos que estavam ali, com medo.
Não é difícil ter empatia com Davi nessa situação. São muitas vezes que damos um suspiro de coragem, mesmo que utilizando as últimas reservas de energia de vida para encarar coisas que ninguém mais acha que consegue.
Momentos em que nos sentimos mais fracos do que o mais fraco e até nos comparamos com quem nem sequer tem parte na situação. Olhar para os lados é desesperador, pois nos confirma que não fomos escolhidos para aquilo.
Seja nos diversos papeis pessoais e profissionais que exercemos, vamos diminuindo cada vez mais diante do medo, que só cresce e que muitas vezes é cuidado por nós mesmos como alguém querido e bem-vindo.
Vai crescendo, tomando forma e ganhando nome. Acordamos e dormimos com ele, até que vai fazendo parte natural e até sobrenatural da nossa vida. E quando percebemos, não sabemos como dizer para ir embora.
Viver essa relação tóxica e conformista só nos descola de quem realmente somos, nos tira da real percepção da força que temos, do quanto somos amados e da prudência que nos é devida em cada situação.
Então
enfrentamos
A coragem de alguém pode até contagiar, mas não é transferida. A disposição de um menino sem nenhum porte atlético não comoveu ninguém que quisesse tomar o seu lugar, ao contrário, despertou várias críticas.
Sua convicção de vitória não nos faz pensar apenas no final da batalha, mas na trajetória que o envolveu desde a sua chegada, até o seu desfecho. O que ele teve que enfrentar, mesmo antes de entrar na guerra como inimigo.
Não bastasse o tamanho do que precisava ser derrotado, foi preciso vencer algumas batalhas no meio do caminho, inclusive dentro da sua própria casa, com seu irmão, e alguns guerreiros medrosos.
Antes de chegar na frente do seu real inimigo, precisou se deparar com outros, um pouco menores, mas não menos perigosos, pois poderiam ter estragado tudo, se tivessem conseguido pará-lo.
Só que a força que ele tinha estava além de si mesmo, estava na prova da sua existência, na falta de quem enfrentasse o problema e estava no seu Deus. O que Davi viveu nesse trecho envolveu experiência, oportunidade e fé.
Ele teve que expor sua disputa travada com um urso e um leão, na esperança de que houvesse alguém que se inspirasse com tamanho feito, o que não aconteceu. Ter sobrevivido a isso lhe garantia coragem para mais.
Vendo que ninguém mais estava tomando a frente, pôs-se a disposição para executar o que parecia impossível para muitos. Tentou convencer a todos que o problema era menor do que se via, mas, na falta de seguidores, foi ele mesmo.
Por fim, recusou-se a se portar como alguém que não confia naquele que lhe guarda de todo perigo, no que promete vitória, no que está o tempo todo com ele. Refletiu no seu ato, a presença do seu Deus.
Davi conseguiu destacar o que mais lhe importava naquele momento e não permitiu que o contrário que estava sendo dito virasse verdade, mas concretizou suas palavras em algo real, motivador e admirável.
Este foi um papel de muita influência para um povo inteiro, até hoje. Alguém que não apenas participou ativamente de uma vitória milagrosa, mas que expressou coragem em palavras e ações, sem medo.
Deixou uma audiência inteira desfrutar de um ensinamento de grande valor, como a confiança naquilo que se acredita e a fé em ação diante das críticas, das dificuldades, da contrária multidão e do inimigo teoricamente imbatível.