Reis | A inveja

O amou como a si próprio [1 Samuel 18.1]

Os sucessos de Davi em tudo que fazia estava começando a incomodar o rei Saul. O que parecia era que ele estava sendo bem mais querido e apreciado pelo povo e até mesmo pela família do rei.

Mesmo que Saul tivesse incontáveis benefícios com as vitórias de Davi, estas o diminuíam diante das pessoas, de acordo com sua própria visão. E tal visão deturpada estava deixando-o com muita raiva.

O papel de Davi era hierarquicamente muito menor que o de um rei, cujo título lhe dava uma soberania plena, estando abaixo apenas das vontades do Deus que lhe pôs naquele lugar.

Davi era um homem simples e sem posses, incapaz de concorrer com o poder do monarca, sem se sentir digno sequer de fazer parte da família real, como proposto por Saul ao oferecer sua filha em casamento.

Os fatos eram bem cristalinos, mas o rei ainda se achava ameaçado pela pessoa que ele mesmo concedeu os papéis de guerreiro e genro. Mas as teorias de desconfiança arrasavam a sua mente.

Em contrapartida, seu filho Jônatas tinha um amor declarado por Davi, cuja coragem era admirável, cujo espírito era reverente à sua fé e cuja decência era incontestável. Davi era uma referência que Saul não era.

Logo, esse amor era tocante ao mesmo comportamento de Davi que incomodava seu pai. Aquilo que levava Jônatas a ter um amor verdadeiro por ele, também levava seu pai a ter uma recusa poderosa.

É interessante o antagonismo desses sentimentos nessas duas pessoas, pai e filho, pois o mesmo homem, com um comportamento íntegro diante de todos e sem fingimento para ambos, despertava amor e ódio.

Cada uma das visões parecia depender de como enxergavam aquela pessoa, como concluíam da forma que lhes convinham. Independente do que fizesse a pessoa observada, havia um exagero de uma das partes.

A verdade de Davi causou confusão na mente do rei, trazendo inveja. Inveja essa que gerava o medo de que seu lugar fosse tomado por alguém melhor, mais digno e mais amado (1 Samuel 18.8).

Por outro lado, esta mesma verdade causou em Jônatas um sentimento bom, que via como de fato eram as coisas, sem deturpar pelo medo da inveja. Apenas conjecturando, mas talvez ele visse em Davi tudo que seu pai não era.

Ame o seu próximo como a si mesmo

Mateus 22.39

O amor de Jônatas por Davi foi o mesmo declarado por Jesus como o segundo mandamento mais importante, depois de amar a Deus acima de todas as coisas. Um amor sem interesses secundários e condicionais.

Enquanto seu pai talvez tivesse o amor pela sua própria posição, suas posses e pela reverência e adoração dos outros, Jônatas tinha um amor pela pessoa. O amor do rei parecia mais uma necessidade de adoração a si mesmo.

O ponto é que essa dicotomia mostrava que a nossa visão é capaz de classificar pessoas de forma errônea. Basta perceber a influência que algo ou alguém pode ter sobre nós, que nossa mente delimita a percepção.

Davi era capaz de empreender situações que Saul não conseguia e isso o irritava, ao invés de usufruir dos seus resultados. Ao passo que Jônatas percebia o valor real de Davi e retribuía com integridade.

A primeira visão é corrosiva para si mesmo e para os outros envolvidos. Traz uma falta de paz que é capaz de cegar qualquer bom senso e espalha essa semente venenosa onde quer que haja terra fértil para isso.

E mesmo o papel de Davi sendo o menor dentre os três, falando-se de um rei e um príncipe, ambos foram enormemente influenciados pelo seu comportamento, com consequências bem distintas entre elas.

Olhar para Davi causava raiva no rei e o fazia pensar em como se livrar dele, a qualquer custo, até mesmo da sua fé e obediência a Deus, que foi a primeira coisa que ele deixou de lado.

Isso o levou ao desespero de querer matá-lo, se tornando um inimigo, ainda que este fosse seu genro, apreciado por sua filha, seu filho, seu povo e seu Deus. O que o consumiu de uma maneira muito destrutiva.

A inveja destrói relacionamentos sólidos e é um dos principais impedimentos para se amar alguém. Ela transforma a visão naquilo que a alimenta, no que é conveniente para ela mesma, sem permitir o pensamento crítico.

Se impõe nos pensamentos mais íntimos de forma a corromper qualquer bom senso e criar imaginações irreais que dominam. Ela é imperativa, sem direito a contestações ou diálogo e sem dar a menor chance ao próximo.

No final das contas, Saul queria o que Davi tinha e ele não. Mesmo estando numa posição bem superior e ter tudo digno de uma realeza, lhe faltava algo. Davi tinha a aceitação e admiração das pessoas. Davi tinha Deus.

Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem

Mateus 5.44

Enfrentar esse tipo de guerra é muito ruim. Pessoas que você confia passam a lhe ver de uma forma totalmente deturpada e conveniente aos seus próprios interesses. Não escolhem o modo de derrubar, qualquer um serve.

Após um movimento de traição, a vida fica cheia de questionamentos. É complexo entender por que alguém faria isso com você, sem ao menos tentar conquistar junto e com a cumplicidade que parece ter perdido o valor.

Foram momentos de intimidade, de conversas cheias de nuances pessoais que aconteceram, pois havia total confiança. Coisas que não são ditas para todo mundo, pelo contrário, ninguém mais poderia saber.

De repente, essas mesmas coisas são usadas contra você, para te machucar, para te tornar menor e fazer você sair do caminho. Sem motivos reais, seus pontos fracos foram compartilhados com quem iria acertá-los.

Não adianta buscar razões, simplesmente aquilo fez sentido para quem um dia você confidenciou e abriu seu coração. Só resta entender que a realidade mudou, ou nunca foi como você imaginou e confiou que fosse.

Pensar nessa mudança de atitude é muito desgastante. Livrar-se da angústia de desconhecer alguém, que você tinha certeza saber quem era, se torna quase impossível, humanamente falando.

É um luto que se experimenta. É como se tivesse perdido aquela pessoa que estava ao seu lado, viva, mas que simplesmente sumiu e deu lugar a alguém egoísta, que prioriza seus próprios interesses acima dos seus mais chegados.

Assim como Saul o fez com Davi, é possível que alguém o persiga e se torne seu inimigo, pior ainda quando antes era amigo, se de fato foi. Os interesses mudam e a pessoa acaba mudando também.

Daí vem a missão quase impossível passada pelo Senhor, que é amar os inimigos e orar por quem nos persegue. Fazer isso é um pedido para nos tornarmos maiores do que aqueles que já escolheram se diminuir.

Mesmo com a vontade latente de autodefesa e até de vingança, nosso coração precisa ser domado para entregar uma situação dessas para quem tem condições de resolver, da forma mais sábia e justa.

Esse método não é nosso. Davi fez exatamente o que Jesus veio ensinar tempos depois. Saul perdeu tudo, até mesmo sua vida e Davi se tornou rei no lugar dele. Não somos capazes de fazer nada melhor do que isso.